Título: Ajuda decasségui pós- tragédia
Autor: Sarmento, Claudia
Fonte: O Globo, 17/04/2011, O Mundo, p. 43

Enviada especial Minamisanriku, Japão

Olhando apenas para frente, em direção ao mar, a costa de Minamisanriku ¿ cidade pesqueira no Nordeste do Japão ¿ parece um lugar de paz. Difícil acreditar que a água calma e verde possa fazer mal a alguém. Mas é só virar os olhos para a terra, ou ao que sobrou dela, para a perplexidade voltar a ser o sentimento dominante. Um mês depois da tragédia de 11 de março, Minamisanriku continua uma massa disforme, arrebentada pelo oceano que, naquele dia, enlouqueceu e engoliu mais da metade dos moradores. Para chegar ali, um comboio com a bandeira verde e amarela percorreu milhares de quilômetros e atravessou estradas ainda parcialmente destruídas. Um grupo de brasileiros acredita que ajudar cidades como aquela a se reerguer pode ser também um recomeço para os próprios imigrantes que saíram do Brasil e foram buscar no Japão aquilo que agora parece tão distante: segurança.

O GLOBO acompanhou, numa viagem ao litoral devastado pelo terremoto e pela tsunami, os líderes de um movimento voluntário que recebeu o nome de Brasil Solidário, criado no último dia 26. Os brasileiros formam a terceira maior comunidade estrangeira no país, depois de chineses e coreanos, uma força de 254 mil pessoas ¿ a maioria descendentes de japoneses. Os decasséguis começaram a desembarcar no Japão há 21 anos, num impressionante fenômeno migratório, mas não se pode dizer que estejam integrados à sociedade. Trabalham em fábricas, em empregos sem estabilidade e têm dificuldades com a língua. O horror de março, multiplicado pelo acidente nuclear de Fukushima, está, no entanto, ajudando a derrubar barreiras. Mesmo que temporariamente.

¿ Vejo a crise como um momento histórico para os imigrantes brasileiros. Buscamos uma liderança e unimos os decasséguis, espalhados por várias províncias, numa grande mobilização de ajuda. A tragédia fez a gente se sentir mais perto do país em que vivemos. Podemos mostrar aos japoneses que, na dor, estamos procurando uma aproximação ¿ disse Adalberto Prado, que trabalha numa fábrica de macarrão e saiu de Nagano, no Centro-Oeste, para se juntar aos voluntários brasileiros em Minamisanriku.

A cidade já teve 17 mil habitantes. Até agora só foram confirmadas 437 mortes, mas há 9.500 desaparecidos. A maioria dos corpos, provavelmente, não será encontrada. O lugar foi varrido do mapa e, embora os japoneses não gostem da comparação ¿ porque separam a desgraça causada pela natureza do mal provocado pelo homem ¿, a imagem que vem à cabeça é a de um bombardeio atômico. No centro do vilarejo há somente escombros e poucas carcaças de edifícios. Com o apoio da Embaixada do Brasil, os imigrantes buscaram empresas brasileiras no Japão e conseguiram verba para comprar 400 bicicletas e 5 mil litros de álcool ¿ parte distribuída entre os sobreviventes de Minaminsanriku.

O primeiro produto é essencial numa área isolada, onde carros esmagados foram parar em árvores, só há combustível para emergência e transportes públicos parecem sonho impossível. O álcool foi um pedido das prefeituras para esterilizar objetos e tentar reduzir o risco de doenças entre os desabrigados.

¿ Ver tanto sofrimento de perto faz a gente repensar nossa vida aqui ¿ disse, enquanto ajudava a descarregar as bicicletas num ginásio, o presidente do Conselho de Representantes de Brasileiros no Exterior (CRBE), Carlos Shinoda, líder do Brasil Solidário. ¿ Os japoneses não gostam de incomodar, é uma filosofia de vida. Temos que ajudar respeitando essa cultura, sem barulho, tentando saber exatamente o que eles precisam.

Material escolar para crianças

Dono de uma escola em Nagoia, no lado oposto do país, Shinoda chegou ao litoral de carro, monitorando por celular os caminhões com as doações. Bicicletas chinesas são mais baratas, mas o grupo optou por veículos made in Japan, como forma de apoio à economia. Operários, agricultores, professores e pequenos empresários se juntaram à campanha, que está coordenando com as prefeituras o envio de novos donativos. Eles levaram também toneladas de material escolar ¿ outro item fundamental para as crianças que começam a voltar às aulas.

Estudantes e professores estão sendo remanejados, porque muitos morreram. Entre o terremoto, às 14h46 do dia 11, e a tsunami, os moradores das cidades litorâneas da província de Miyagui, a mais afetada, tiveram 20 minutos para escapar. Não foi o suficiente para pelo menos 135 alunos de escolas primárias da região.

¿ A gente enxerga a destruição e tenta ajudar, mas e o que não vemos? O impacto psicológico ainda está escondido ¿ observou Shinoda, que sabe que o peso da tragédia sobre a economia japonesa afetará a todos.

Neste fim de semana, os brasileiros voltariam ao Nordeste do Japão. Desta vez param também na província de Iwate para distribuir, com a ajuda das Forças de Defesa Nacional, mil refeições. Foram feitas por imigrantes, mas o cardápio é uma mistura japonesa: arroz, carne de porco e ovo.

¿ Não há muito o que a gente possa fazer, mas o pouco agora virou muito ¿ disse a brasileira Maria Matsumoto, que foi ao litoral deixar brinquedos novos e fraldas.