Título: Cruzada contra o nepotismo
Autor: D'Elia, Mirella; Foreque, Flávia
Fonte: Correio Braziliense, 01/08/2009, Política, p. 2

Primeira etapa da ação para vetar parentes no Executivo apresenta resultado. Quase dois mil funcionários enviaram informações à CGU sobre vínculos familiares com servidores

Hage: súmula do STF é ¿insuficiente¿ para tomar providências

A Controladoria-Geral da União (CGU) já colheu os primeiros frutos da cruzada contra a contratação de parentes no Poder Executivo federal. Nos primeiros 10 dias após a publicação, no Diário Oficial da União (DOU), do decreto que manda titulares de cargos comissionados ou funções de confiança ¿ em que não é preciso fazer concurso público ¿ dizerem se têm parentesco ou vínculo pessoal com outros servidores, o órgão já recebeu 1,8 mil formulários com informações. Isso equivale a 10% do total de funcionários que terão que prestar contas: 18 mil.

O decreto 6.906/09 determina que ministros, ocupantes de cargos de natureza especial e do grupo Direção e Assessoramento Superior (DAS) encaminhem à CGU os formulários até 21 de setembro. Quem mentir ou omitir informações poderá ser punido (leia quadro). Os servidores terão que especificar se têm maridos, mulheres, companheiros ou companheiras, parentes consanguíneos (de sangue) ou afins (familiares do cônjuge) até o terceiro grau, ocupando cargos de comissão ou funções de confiança em todo o Executivo federal. O universo engloba pais, mães, irmãos, filhos, tios, sobrinhos, avós, bisavós, netos e bisnetos, além de sogros, sogras, genros, noras, madrastas, padrastos, enteados e enteadas. Os laços com estagiários, terceirizados ou consultores também terão que ser informados.

A medida veio mais de um ano depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou uma súmula vetando o nepotismo não só no Executivo mas, também, no Legislativo e no Judiciário. A decisão, segundo o ministro-chefe da CGU, Jorge Hage, foi tomada para esclarecer pontos considerados obscuros e poder adotar medidas efetivas para coibir a contratação de parentes. ¿A súmula do Supremo é absolutamente insuficiente para que se possa implementar providências concretas¿, disse Hage (leia entrevista na pág. 3).

Flagras Após a coleta de dados, a CGU vai identificar todas as relações de parentesco informadas e, a partir do levantamento, qualificar o que é permitido e o que é nepotismo. Com isso, vai baixar uma norma com regras específicas. O órgão ainda não sabe a dimensão dos possíveis casos. Segundo Hage, os funcionários que forem flagrados na operação pente-fino serão afastados.

Especialistas ouvidos pelo Correio consideram a medida saneadora. Mas alertam para a dificuldade de fiscalização. O cientista político Paulo Kramer avaliou que, devido ao número de servidores e ao orçamento destinado a esse poder, a expectativa é de um impacto significativo. De acordo com boletim estatístico do Ministério do Planejamento, o Poder Executivo contava, em maio deste ano, com pouco mais de 1 milhão de servidores ativos (entre civis e militares) ¿ quase 42 vezes o número de funcionários do Legislativo. Para o cientista, o nepotismo não é exceção. ¿À medida que uma pessoa sobe na hierarquia de riqueza de poder, mesmo que tenha sido pelos próprios méritos, ela vai tentar resguardar da melhor maneira possível essas posições para seus descendentes.¿

A opinião do professor de Direito da Universidade de Brasília (UnB) Paulo Blair é semelhante. Para ele, contratar parentes é vetado desde a Constituição de 1988. ¿Nós não precisamos de nenhum outro texto de hierarquia inferior à Constituição para reafirmar aquilo que a própria Constituição já diz¿, defende.

O cientista político David Fleischer é mais radical: ¿É uma medida para inglês ver¿, declara. Ele aposta no denuncismo para identificar casos. ¿É muito difícil que a pessoa se autodeclare nepotista.¿

Pente-fino

A Controladoria-Geral da União (CGU) está reunindo dados sobre laços de parentesco entre servidores do Executivo federal para rastrear e punir possíveis casos de nepotismo:

Servidores 18 mil funcionários públicos terão que encaminhar as informações à CGU

Cargos Quem ocupa cargo de confiança ou comissionado vai ter que prestar contas. A lista inclui ministros de Estado, todos os secretários-executivos da Esplanada e alguns dirigentes máximos de órgãos nacionais, além de ocupantes dos chamados DAS

Como fazer Os servidores terão que preencher um formulário específico, disponível no site da CGU (www.cgu.gov.br).

Prazo Os formulários terão que ser enviados à CGU até 21 de setembro

Punição Quem deixar, propositalmente, de prestar esclarecimentos ou mentir poderá responder a processo administrativo. Se ficar comprovado que o servidor agiu de má-fé, ele poderá ser suspenso ou demitido

Resistência

Em 2005, o Conselho Nacional de Justiça baixou uma resolução proibindo o nepotismo no Judiciário. O STF ratificou a legalidade da resolução e estendeu o veto aos Poderes Legislativo e Executivo. Em agosto de 2008, o STF editou uma súmula vinculante. Além de proibir a contratação de parentes, os ministros decidiram pôr fim ao chamado nepotismo cruzado, a troca de favores em que um servidor público contrata o parente do outro e recebe, como resposta, a nomeação de familiares.

E EU COM ISSO

A contratação indiscriminada de parentes no serviço público provoca reflexos diretos no bolso do cidadão brasileiro. ¿O nepotismo causa um prejuízo para os cofres públicos e para o contribuinte. O nepotista trabalha para o bem particular em vez de trabalhar para o bem público. Isso é nocivo¿, avalia o cientista político David Fleischer. ¿Vale o mesmo raciocínio da empresa privada, mas o dinheiro é público, o que torna a situação mais grave. O funcionário público tem que ser um exemplo¿, emenda o especialista Alberto Carlos de Almeida.