Título: Golpe na milícia com mandato
Autor:
Fonte: O Globo, 14/04/2011, Rio, p. 14

Preso vereador que, segundo Draco e MP, usava gabinete como escritório de quadrilha

O VEREADOR DECO, acusado de chefiar milícia, ao sair preso de casa: citado em seis inquéritos por homicídio, ele diz que as acusações têm motivação política

POLICIAIS entram na casa do vereador, investigado também por coação de eleitores

Sérgio Ramalho

Okern 0.33pt

Deco é acusado de chefiar o grupo paramilitar que planejou matar a hoje chefe da Polícia Civil, delegada Martha Rocha, quando ela era titular da 28ª DP (Campinho), responsável pela investigação de crimes do bando. A delegada confirmou que o Disque-Denúncia recebeu três ligações na época informando sobre o plano. Numa delas, a placa de seu carro chegou a ser mencionada corretamente. No entanto, ontem a chefe de Polícia Civil não relacionou os telefonemas ao grupo:

¿ Neste momento, não posso afirmar que as pessoas detidas são as mesmas elencadas naquelas denúncias ¿ disse a delegada.

O deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), que presidiu a CPI das Milícias, uma vereadora e uma promotora, cujos nomes não foram divulgados, também sofreram ameaças. Freixo disse ontem que sabia do plano para matá-lo e lembrou que Deco era o último político da lista de citados na CPI das Milícias ainda com mandato. Mas afirmou que outros podem ser eleitos caso o poder desses grupos no Legislativo não seja eliminado:

¿ Não basta prender os mais conhecidos. Para combater milícias, é preciso instalar UPPs nas áreas controladas por eles. E atacar o braço financeiro, como a agiotagem na venda de gás ou o controle do transporte alternativo. E nisso o poder público tem responsabilidade.

Grupo movimenta R$400 mil mensais

Após um ano de investigação, promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) solicitaram à Justiça 14 mandados de prisão e 25 de busca e apreensão. O grupo de Deco domina comunidades onde vivem cerca de 150 mil pessoas e movimenta mensalmente valores de até R$400 mil.

Denunciado por formação de quadrilha armada para a prática de crimes hediondos, cuja pena máxima pode chegar a 12 anos, Deco foi preso numa casa tríplex, com circuito de TV e cerca eletrificada, no Pechincha, em Jacarepaguá. No imóvel, os policiais apreenderam uma picape Pajero, documentos, dois facões, dois computadores e pen-drives, que serão analisados pelos promotores. No momento da prisão, sua mulher e três filhos estavam em casa. Quando saiu preso, ele alegou que não era criminoso:

¿ Eu não participo de milícia nenhuma. Pode puxar a minha ficha que do 1º ao 4º artigo não tem nada contra mim. Isso tudo é política.

A milícia de Deco é suspeita de ter cometido pelo menos 30 assassinatos entre 2004 e 2010, nas comunidades de Chacrinha, Conjunto do Ipase, Covanca, Malto Alto e São José Operário, nas regiões de Praça Seca, Tanque e Campinho, em Jacarepaguá. Fubá e São José Operário acabaram anexadas pelo bando após a prisão de 40 milicianos numa operação realizada pela Draco em setembro passado. Segundo a polícia, o grupo do vereador é acusado de cobrar taxas dos moradores, fornecer ilegalmente sinais de TV a cabo e internet, controlar o transporte alternativo, estuprar, torturar e matar oponentes. A polícia ainda investiga um possível cemitério clandestino, onde corpos estariam enterrados.

O vereador é citado em seis inquéritos que apuram homicídios e outros seis por formação de quadrilha.

As investigações da Draco revelam que a milícia de Deco cobra de comerciantes taxa mensal de R$100. Mototaxistas são obrigados a pagar quinzenalmente R$30. Moradores pagam R$10 pelo fornecimento de água, que é cortado caso o valor não seja entregue nas associações de moradores ligadas ao esquema. O bando também explora ¿gatonet¿ (R$30), internet (R$30), cobra ágio na venda de gás e um percentual de 20% na venda de imóveis. O grupo também estaria por trás da ocupação e venda de terrenos da prefeitura.

O braço-direito de Deco na quadrilha seria Hélio Albino Filho, o PM Souza. Apesar de não ser policial, ele era visto circulava uniformizado em patrulhas da PM. Na casa de Hélio, que está foragido, os policiais encontraram R$60 mil em dinheiro, joias e um cofre. Os demais integrantes do grupo são a presidente da Associação de Moradores da Chacrinha, Maria Ivonete Santana Oliveira; o presidente da Associação de Moradores do Conjunto do Ipase, na Praça Seca, Arilson Barreto das Neves, o Cabeção; Paulo Ferreira Júnior, o Paulinho do Gás; Edilberto Gomes Alves, o Bequinho, e os irmãos Gonçalo e Jorge de Souza Paiva. Até o fim da tarde, haviam sido presos Bequinho e Arilson Cabeção.

COLABORARAM Luiz Ernesto Magalhães e Vinícius Lisboa

oglobo.com.br/rio