Título: No RS, ameaça é o crack
Autor: Benevides, Carolina; Remígio, Marcelo
Fonte: O Globo, 18/04/2011, O País, p. 3

Atendimento infanto-juvenil é limitado e tem baixo índice de recuperação

O PSIQUIATRA Lopes Rosa, do único hospital que trata crianças dependentes no estado: loló tem menos ¿prestígio¿ que crack

PORTO ALEGRE. O único hospital do Sistema Único de Saúde (SUS) no Rio Grande do Sul a atender crianças dependentes do crack é o Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP), em Porto Alegre. A instituição centenária dispõe de dez leitos para crianças de até 11 anos no Centro Integrado de Atenção Psicossocial Infantil (Ciaps). O mesmo número de vagas é disponibilizado para o tratamento de adolescentes a partir dos 12 anos, ainda que a faixa etária não seja sempre seguida à risca. Apesar de as vagas não serem exclusivas para crianças que enfrentam problemas com drogas, mas para jovens com distúrbios psicológicos em geral, a regra é que pelos menos 50% dos leitos sejam ocupados por pacientes viciados. No dia em que a reportagem esteve na casa, entretanto, nenhum dos menores estava em tratamento de desintoxicação química. Os meninos são maioria absoluta ¿ em geral, a proporção é de oito jovens para uma garota. Nestes últimos cinco anos, o número de casos de viciados em crack aumentou muito, afirmam os profissionais.

¿ Quase não vemos mais crianças que chegam com problemas como loló. Ele foi substituído pelo crack ¿ diz o gerente de Infância e Adolescente do hospital, o psiquiatra Ronaldo Lopes Rosa.

O psiquiatra revela que, entre os dependentes, usar o crack é um sinal de status social:

¿ O pessoal diz que loló é coisa de ¿chinelão¿.

Mesmo assim, os poucos estudos aos quais os profissionais do hospital têm acesso indicam que os menores consumidores da droga têm problemas socioeconômicos. Muitos vivem em condições precárias de moradia e usam o crack em companhia de pais e avós, por exemplo. Como a família não consegue dar estrutura psicológica para estas crianças, que em vários casos sofrem com abusos físicos, sexuais e com o abandono, elas pedem proteção a traficantes. Em troca, passam a prestar serviços para o tráfico.

O tratamento de desintoxicação em geral leva um mês, mas não há um limite de tempo determinado para que o jovem permaneça na instituição. Os profissionais estimam que cerca de 80% dos jovens não se livram do vício. A maioria sai da instituição com um encaminhamento para seguir o tratamento nos Centros de Atenção Psicossocial (Capes), mas a maior parte desiste depois de algum tempo.

Um dos fatores que mais dificulta a adesão ao tratamento é que a criança volta a conviver com as pessoas com quem compartilha o crack.

¿ Eles contam que, no início, os traficantes dão a droga de graça. Depois, começam a cobrar em serviços, por fim, cobram em dinheiro ¿ relata a enfermeira Fernanda Mielke.

*Especial para O GLOBO