Título: Desfalque na cúpula
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 01/08/2009, Mundo, p. 22

Colômbia não irá à reunião da Unasul e rejeita discussão sobre a instalação de bases norte-americanas no país

POLÍTICA PRIMEIRO A União de Nações Sul-Americanas (Unasul) foi oficializada em maio de 2008, durante reunião extraordinária de chefes de Estado do subcontinente, realizada em Brasília (foto). A articulação, iniciada no ano anterior, marcou o triunfo de uma visão compartilhada pelos presidentes Lula, Hugo Chávez e Néstor Kirchner (depois sucedido pela mulher, Cristina Kirchner). A trinca apostou na integração política como carro-chefe para vencer as barreiras entre os blocos econômicos já existentes, como o Mercosul e a Comunidade Andina.

O presidente colombiano, Álvaro Uribe, anunciou que não irá à reunião de cúpula da União de Nações Sul-americanas (Unasul), no próximo dia 10, nem enviará o chanceler Jaime Bermúdez a Quito, no Equador, para representá-lo. A declaração foi feita um dia após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a colega chilena, Michelle Bachelet, terem concordado em levar para a cúpula a discussão sobre a instalação de bases dos Estados Unidos em território colombiano. Segundo o governo de Bogotá, a Unasul não é espaço ideal para se debater o acordo militar (1)com Washington, em fase final de negociação.

Com a decisão, Uribe espera evitar uma discussão multilateral em território pouco favorável ¿ além de Venezuela e do Equador, que assumirá a presidência rotativa do grupo, Brasil e Chile manifestaram desconforto com a instalação de bases americanas na vizinhança. O presidente colombiano argumenta que seu país ¿nunca foi um agressor da comunidade internacional¿, mas tem recebido, por anos, ¿a agressão do terrorismo¿ ¿ referência às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). ¿O nosso grande problema é o terrorismo interno, essa é a razão da nossa luta. Nas relações internacionais, devemos ser pacientes¿, afirmou Uribe, numa justificativa que parece contradizer a cessão das bases aos americanos com a finalidade de combater o narcotráfico.

Diante das especulações sobre os termos do acordo bilateral, o presidente o descreveu como uma ¿versão melhorada do Plano Colômbia¿ ¿ programa de combate ao narcotráfico no qual a Casa Branca já investiu, desde 2000, mais de US$ 6 milhões. Uribe insinuou que o apoio oferecido pelos EUA, e tão criticado por outros países da região, é o mais efetivo para sua realidade. ¿À Colômbia têm sido oferecidos dois tipos de ajuda: uma retórica de tapinhas no ombro, de expressão de pêsames em momentos nos quais sofremos tanto, e uma ajuda prática, que recebemos dos Estados Unidos¿, disse.

Para Hugo Chávez, a Colômbia está ¿colocando em perigo a paz e a estabilidade na região¿. ¿Estamos em tempo de deter a loucura bélica da elite que hoje governa a Colômbia¿, afirmou o governo venezuelano, em um comunicado divulgado na noite de quinta-feira. Sob acusação de ter repassado às Farc um lote de lança-foguetes de fabricação sueca, Chávez retirou o embaixador venezuelano de Bogotá e disparou o contra-ataque. ¿Por que não exigem de Israel ou dos EUA explicações sobre a grande quantidade de armas desses países encontrada com grupos armados colombianos? A Colômbia transformou-se em país belicista, com um governo incapaz de controlar seu território, que por isso decidiu cedê-lo em comodato para a maior potência do planeta¿, afirma a chancelaria venezuelana.

Visitas ao Brasil

Em meio ao imbróglio envolvendo os EUA, autoridades do Ministério das Relações Exteriores receberam na quinta-feira o chefe do Comando Sul das Forças Armadas dos EUA, general Douglas Fraser, que assumiu há pouco mais de um mês o principal posto da Defesa americana para a América do Sul. Grande conhecedor da realidade colombiana, Fraser esteve no Itamaraty no dia em que o chanceler Celso Amorim anunciou que o embaixador brasileiro em Washington pedirá informações sobre os termos do acordo com a Colômbia. Na quarta-feira, será a vez de o assessor de Segurança Nacional de Barack Obama, James Jones, se reunir com Amorim.

O assessor de Lula para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, foi enviado a Caracas para conversar com Chávez.O próprio Garcia deixou claro que a questão das bases americanas e da crise com a Colômbia estarão no centro das conversações.

1 - LONGA PARCERIA A Colômbia negocia um acordo que dará acesso aos militares norte-americanos a pelo menos três bases em seu país por 10 anos. Segundo o governo Uribe, as bases ¿não serão norte-americanas¿. Apenas serão utilizadas pelos EUA, em operações que se restringirão ao território colombiano. Atualmente, 600 militares norte-americanos e civis subcontratados trabalham no país sul-americano, assessorando as divisões do exército local, por meio do Plano Colômbia. O acordo anterior previa uma presença no país limitada a 1,4 mil empregados do Departamento de Defesa dos EUA. Segundo os colombianos, esse número não será alterado com a nova parceria.