Título: Milícia por controle remoto
Autor: Ramalho, Sérgio
Fonte: O Globo, 24/04/2011, Rio, p. 15

Mesmo presos, chefes conseguem comandar quadrilhas na Zona Oeste, no estilo do tráfico

Éde uma cela individual de sete metros quadrados, na Penitenciária Federal de Campo Grande (MS), a 1.445 quilômetros do estado, que o ex-PM Ricardo Teixeira da Cruz, o Batman, dita ordens aos integrantes do maior grupo paramilitar em atuação na Zona Oeste do Rio. Da mesma forma que os traficantes, milicianos presos se correspondem com suas quadrilhas por meio de cartas e bilhetes entregues a emissários durante as visitas. As articulações de Batman com seu principal aliado em liberdade, o PM desertor Toni Ângelo de Souza Aguiar, vêm sendo monitoradas pela Delegacia de Repressão a Ações Criminosas Organizadas (Draco) e pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público estadual.

As investigações mostram que, há pelo menos três meses, Toni Ângelo recebe determinações por meio de cartas e bilhetes ditados da prisão de segurança máxima por Batman. Chefe de investigações da Draco, Jorge Gerhard ressalta que as ordens costumam ser transmitidas aos principais integrantes da milícia durante reuniões, nas quais a correspondência é lida em voz alta. Foi o que aconteceu em março, pouco depois do carnaval, quando os milicianos foram informados que o dinheiro arrecadado com a cobrança de "taxas de segurança" não deveria mais ser repassado integralmente a emissários dos irmãos Natalino e Jerônimo Guimarães.

Atentado planejado por meio de bilhetes

Também presos em Campo Grande (MS), o ex-deputado estadual Natalino e o ex-vereador Jerominho recorreram à troca de mensagens para tentar evitar o racha na estrutura da milícia e, por consequência, a perda de poder para Batman, como indicam as análises da Draco e do Gaeco. O método também teria sido adotado pelo ex-sargento Luiz Monteiro da Silva, o Doem, para orientar aliados em liberdade a planejarem um atentado contra um integrante do Ministério Público estadual. Chefe de uma milícia em Jacarepaguá, o ex-PM - condenado em fevereiro a 11 anos de prisão - também teria trocado mensagens com um antigo rival, o vereador Luiz André Ferreira da Silva, o Deco, que foi preso na Operação Blecaute da Draco e do Gaeco, no último dia 13.

Para o deputado estadual Marcelo Freixo, que presidiu a CPI das Milícias, o uso de cartas e bilhetes pelos chefes de grupos paramilitares que estão presos não surpreende:

- É a típica relação de máfia. Não é porque os chefes foram presos que vão perder poder dentro de suas quadrilhas. É claro que pode haver rachas, como aconteceu com o grupo dos irmãos Natalino e Jerominho, mas os líderes vão continuar dando ordens por meio de cartas e recados repassados a emissários durante as visitas nas prisões.

O deputado ressalta que os milicianos são muito mais organizados que os traficantes. Freixo argumenta que os grupos paramilitares contam com a participação de agentes da lei e, apesar das prisões dos principais chefes, não perderam o controle territorial nem, sobretudo, as fontes de recursos:

- O relatório final da CPI apontava, em 2008, a existência de grupos paramilitares em 170 áreas na capital e na Região Metropolitana. Atualmente, elas atuam em 300 áreas. Isso prova que, apesar de a polícia ter aumentado muito o número de prisões de milicianos, os grupos continuam ganhando espaço territorial.

Freixo acrescenta que nenhuma das medidas propostas pelo relatório da comissão foi adotada. O deputado ressalta que o controle do transporte alternativo e o aumento da fiscalização na distribuição de gás são pontos primordiais a serem adotados. Estes segmentos garantem parte significativa dos recursos obtidos pelas milícias através da cobrança de "taxas de segurança" e ágio.

A análise feita pelo deputado é corroborada pelo monitoramento das determinações repassadas ao grupo por Batman. De acordo com as investigações, nas mensagens, ele ordena que Toni Ângelo controle o repasse do dinheiro arrecadado com as vans e a venda de botijões de gás. A milícia chefiada pelo ex-PM domina comunidades em Campo Grande, Cosmos, Santíssimo, Santa Cruz e Inhoaíba, na Zona Oeste.

As trocas de mensagens entre milicianos presos e seus grupos também foram detectadas em Bangu 8, no Complexo de Gericinó, e no Batalhão Especial Prisional (BEP), em Benfica, que concentra PMs presos por prática de diversos crimes. Em maio de 2009, por exemplo, investigações da Draco comprovaram que o ex-PM Fabrício Fernandes Mirra comandava de sua cela uma milícia que atuava em 28 comunidades do Subúrbio e da Zona Norte.

PM fugiu antes de ser transferido

O ex-PM acabou transferido para Campo Grande (MS), onde também estão cumprindo pena Batman, Jerominho, Natalino, Luciano Guinâncio (filho de Jerominho) e os vereadores Jonas Gonçalves da Silva, o Jonas é Nóis, e Sebastião Ferreira da Silva, o Chiquinho Grandão, presos em dezembro sob acusação de chefiar uma milícia em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

Os constantes contatos de policiais presos no BEP com grupos paramilitares são citado em procedimentos na Auditoria de Justiça Militar. Entre eles estão os casos relacionados às fugas de três PMs envolvidos em milícias. Em março passado, o soldado Franklin Delano Roosevelt Maia Júnior escapou pela porta da frente do BEP. A fuga aconteceu horas após a promotora da Auditoria Militar ter conseguido na Justiça autorização para transferi-lo para Bangu 8. O pedido usou como base informações de que o soldado vinha mantendo contato com aliados que integram um grupo de milicianos de Jacarepaguá.

Em setembro passado, dois outros PMs ligados ao grupo paramilitar chefiado pelos irmãos Natalino e Jerônimo já tinham escapado pelo portão principal da prisão. Os PMs Wellington Vaz de Oliveira e José Carlos da Silva fugiram após terem recebido autorização para trabalhar no pátio externo do BEP, de onde saíram pelo portão principal para reforçar o grupo paramilitar. Na época, informações dos setores de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública e da Polícia Civil indicavam que a fuga dos PMs teria sido comprada por R$200 mil. Versão reforçada pela descoberta de que em agosto do ano passado, um mês antes da fuga, os PMs tiveram negadas autorizações para trabalhar no pátio do batalhão.