Título: Quando as ruas exigem
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Fonte: O Globo, 25/04/2011, O Mundo, p. 22

Nem anúncios de reformas nem repressão cessam levantes populares em Marrocos, Iêmen e Síria

MANIFESTANTES REÚNEM-SE em Casablanca, no Marrocos, para reivindicar reformas e o fim da prisão política (alto). No Iêmen, ao lado, militares aderem a um protesto exigindo a renúncia e o julgamento do presidente Saleh, há 32 anos no poder

RABAT, SANAA e DAMASCO

Nem os acenos de novas propostas para conter protestos nem, no caso da Síria, a forte repressão impediram que milhares de pessoas fossem ontem às ruas de Marrocos, Iêmen e Síria. No primeiro país, aliados do rei Mohammed VI ensaiam um recuo do Estado na economia, mas esbarram em pedidos por reformas políticas e pelo fim da corrupção. No Iêmen, o anúncio de que o ditador Ali Abdullah Saleh pode sair do poder, após 32 anos, sem enfrentar qualquer julgamento frustrou manifestantes. A imunidade foi a contrapartida exigida ¿ e que divide a oposição ¿ para Saleh deixar a presidência. Até militares já teriam aderido aos levantes. Na Síria, a batalha campal entre o povo e forças de segurança, que já deixou cerca de 120 mortos em três dias, continuou ontem.

Protesto inquieta regime marroquino

O Marrocos viveu ontem seu terceiro dia de protestos em massa desde fevereiro. As manifestações, com a presença de dezenas de milhares de pessoas em cidades como Rabat e Casablanca, foram pacíficas e a situação do país ainda é tranquila, comparada à que tomou vizinhos como Tunísia, Egito e Líbia. As demandas ¿ que mobilizam a classe política ¿ incluem combate a corrupção, tortura e à alta taxa de desemprego.

¿ Nossos pais tinham medo de falar sobre questões políticas. Isso precisa mudar ¿ conclamou Redouane Mellouk, que levou o filho Mohamed, de 8 anos, ao protesto.

Observados discretamente por policiais, os manifestantes circularam por bairros pobres, que registram maiores índices de desemprego. Enquanto isso, no centro, aliados do rei Mohammed VI orquestram medidas que abreviam a influência do monarca.

No mês passado, Mohammed anunciou uma reforma constitucional que, entre outras medidas, aumentaria a independência do Judiciário. A próxima etapa seria reduzir o poder do Executivo na economia. O rei, no entanto, ainda tem o direito de dissolver o Parlamento e impor estado de emergência, entre outras medidas autoritárias que desagradam os manifestantes.

A pressão popular é ainda maior no Iêmen, onde teme-se que uma nova manobra invalide a renúncia do presidente Ali Abdullah Saleh. O ditador anunciou sábado que deixaria o poder em até 30 dias, conforme propôs um conselho formado por seis países do Golfo Pérsico.

O plano de paz, no entanto, tem suas brechas. Ninguém sabe, por exemplo, a partir de quando será iniciada a contagem regressiva de um mês. Outro problema é a postura ambivalente da oposição em relação à proposta. Se apoiá-la ¿ e, assim, endossar o pedido de imunidade de Saleh ¿, põe em risco o apoio dos ativistas.

¿ Há muito ressentimento entre os jovens por a oposição ter concordado com essa iniciativa ¿ revelou Abdulhafez Muajeb, o líder dos manifestantes em Hudaida, cidade às margens do Mar Vermelho. ¿ Vamos aumentar os protestos até o presidente renunciar imediatamente.

Saleh não abaixou o tom diante da ameaça. Em entrevista à BBC árabe, afirmou que não aceitaria ser deposto por um golpe:

¿ Para quem vou entregar o poder? Àqueles que estão tentando fazer um golpe de Estado? Não. Vamos fazê-lo através de urnas e referendos, com o acompanhamento de observadores internacionais. Um golpe é inaceitável ¿ condenou.

Centenas de manifestantes foram mortos desde o início dos protestos, em janeiro. Teme-se que o aumento da turbulência no país abra espaço para a facção iemenita da al-Qaeda. Saleh, repetindo a tática do líder líbio Muamar Kadafi, acusa extremistas islâmicos de estarem infiltrados nas manifestações.

Embora tente demonstrar força, Saleh perde apoio mesmo entre militares ¿ seu filho comanda a Guarda Republicana. Imagens dos protestos de ontem mostram que, assim como ocorreu no Egito em fevereiro, alguns agentes das Forças Armadas engrossaram as fileiras dos protestos.

Na Síria, líderes da oposição contabilizaram 120 mortos no fim de semana de protestos, sendo a maioria na sexta-feira e pelo menos nove ontem. Dezenas de prisões também teriam sido realizadas na noite de sábado, principalmente em Damasco. A gravidade dos confrontos não evitou, ontem, a presença de manifestantes nas ruas.

Segundo a organização de direitos humanos Sawasiah, as forças de segurança leais ao presidente Bashar al-Assad invadiram a casa de um médico, Zakraiya al-Akkad, depois de ele ceder entrevista à rede de TV Al-Jazeera, sobre as mortes que ocorreram em Jabla, sua cidade.

Já o grupo Human Rights Watch pediu sanções internacionais ao governo, cujas tropas mataram pessoas até em funerais de manifestantes.