Título: Excessiva ambição
Autor:
Fonte: O Globo, 25/04/2011, Opinião, p. 6

TEMA EM DISCUSSÃO: Futuro da reforma política

A comissão composta no Senado para formular uma proposta de reforma política - tema cativo na agenda de governos e Congresso - concluiu os trabalhos e encaminhou relatório ao presidente da Casa, José Sarney. À primeira vista, afinal fora dado um passo firme na mais mencionada das reformas. Mas só à primeira vista mesmo, pois, na realidade, o assunto continua tão controverso e de difícil tramitação no Legislativo quanto antes.

Se há um mérito nesta comissão é ter ordenado pontos do que seria uma reforma política. Nada mais. Até porque é difícil imaginar que a Câmara aceite como "prato feito" o que vier do Senado, depois de tramitar pela Comissão de Constituição e Justiça e passar pelo plenário da Casa. Um dos itens aprovados é o voto em lista fechada. Muda-se o sistema eleitoral para que o voto deixe de ser dado ao candidato e seja concedido a uma relação de nomes escolhidos pelo partido. Entrarão nas Casas legislativas municipais, estaduais e na Câmara de Deputados as listas dos partidos mais votados, pela ordem em que os nomes estão distribuídos. Justifica-se que, assim, se fortalecem os partidos - objetivo correto -, uma das bandeiras erguidas quando se discute reforma política. O problema é que os grandes beneficiários da lista fechada serão os caciques das legendas, e não o partido como um todo, seu funcionamento como espaço de discussão e de formação de quadros.

Prova de que falta coerência no que foi aprovado na comissão é dada pelo sinal verde concedido ao lançamento de candidaturas avulsas, sem vínculo partidário. Enquanto há todo um discurso a favor dos partidos, permite-se este tipo de candidatura, a negação dos partidos. Não faz sentido. A lista fechada também é defendida por estar relacionada a um outro ponto aprovado na comissão: o financiamento público de campanha. A votação em lista fechada permite o cálculo do custo por partido. À base de R$7 por voto - cálculo de debate anterior -, sairá do bolso do pagador de impostos algo próximo a R$1 bilhão, além do que ele já desembolsa para o fundo partidário e, indiretamente, no ressarcimento aos meios de comunicação pelo "horário eleitoral gratuito". Compreende-se por que em todas as sondagens de opinião haja maciça rejeição a mais este ataque ao dinheiro da Viúva. No pano de fundo desta rejeição deve existir a percepção de que com uma legislação eleitoral falha - a Ficha Limpa ainda não está em vigor e corre riscos -, e a proverbial ineficiência na investigação de crimes na esfera política, o caixa dois continuará a ter livre curso. E, como sempre, abastecido por dinheiro público desviado. Ou seja, percebe a maioria dos eleitores que terminará financiando duas vezes os gastos de campanha. Os caixas um e dois.

A comissão do Senado cometeu o erro, comum quando se coloca na agenda do Congresso esta reforma, de abrir o leque de forma excessiva. Misturou propostas louváveis - o fim das coligações nos pleitos proporcionais - com mudanças extemporâneas, como, além da lista fechada e financiamento público de campanha, o fim da reeleição e ampliação do mandato para cinco anos. Ora, sequer o atual modelo de mandato de quatro anos com uma reeleição consecutiva foi testado como é preciso. Apenas dois presidentes foram eleitos até agora neste sistema (FH e Lula). O inevitável impasse à frente desta reforma comprova a necessidade de alterações pontuais. Não é preciso muito para reforçar a fidelidade partidária e reduzir o número excessivo de legendas com representação no Parlamento, por exemplo.