Título: Invenções eleitorais
Autor: Coimbra, Marcos
Fonte: Correio Braziliense, 02/08/2009, Política, p. 6

O que será que Ciro Gomes pode querer se candidatando a governador de São Paulo? Ele tem um desejo genuíno de ser governador do estado? Quer se enraizar em São Paulo, se dedicar a conhecer sua realidade? Está convencido que tem os melhores projetos e as soluções mais realistas para seus problemas?

No dia a dia da política, é comum elocubrar sobre as chances de candidaturas inusitadas, ainda que possíveis. Volta e meia, alguém inventa uma.

Para cargos no Legislativo, elas surgem com frequência. Agora mesmo, há quem ache possível que Lula venha a ser candidato ao Senado por Pernambuco. É pernambucano, tem imensa popularidade no estado, por que não? Juscelino não foi senador por Goiás, Getulio não se elegeu deputado ou senador por quase uma dezena de estados em 1950? Sarney não é senador pelo Amapá?

Para cargos executivos, também se fazem especulações parecidas. Muita gente discute o que aconteceria, por exemplo, se Aécio Neves se candidatasse a governador do Rio de Janeiro. Os eleitores entenderiam? Se disporiam a votar para governador em alguém sem presença cotidiana na vida política local, ainda que tenha afinidades com ela?

Collor chegou a pensar seriamente em ser candidato a prefeito de São Paulo. Como não tinha, à época, condições jurídicas para registrar a candidatura, nunca saberemos se era um projeto viável. Não parecia, no entanto, se lembrarmos das pesquisas do período, que mostravam que mal atingia 5% das intenções de voto.

O único caso no Brasil moderno de uma candidatura com características semelhantes que não só se concretizou, mas que teve sucesso, foi a de Leonel Brizola a governador do Rio em 1982. Vencendo aquela eleição, ele passou a ser o primeiro político brasileiro a ser eleito governador de dois estados diferentes. Como ninguém nem tentou proeza semelhante nos últimos 27 anos, continua a ser o único.

A razão para o caso ser tão raro é simples: faz muito pouco sentido um projeto assim. Chegar ao cargo de governador de um estado implica ter grande identidade com ele, seus problemas, suas particularidades. Requer ser reconhecido como alguém que se destaca por seus atributos, dentre os quais o de conhecê-lo muito bem.

Essa é a característica que o eleitor mais preza em um candidato a cargo executivo, como atestam as pesquisas. Fora os óbvios (não ser ladrão, irresponsável, mentiroso, etc.), ¿conhecer bem¿ o estado ou a cidade é algo fundamental para a grande maioria das pessoas. Nascer lá ajuda, mas não é necessário nem suficiente. O importante é uma trajetória que confirme a profundidade dos vínculos do candidato com o lugar que pretende governar.

São dezenas os prefeitos e os governadores que vieram jovens para onde se elegeram. Baianos já governaram Minas Gerais e mineiros foram governadores de vários estados Brasil afora. Um político nascido em Pindamonhangaba já governou o Ceará e foi muito querido pela população. Tanto que voltou a votar nele maciçamente, quando disputou outros cargos.

O que será que Ciro Gomes pode querer se candidatando a governador de São Paulo? Ele tem um desejo genuíno de ser governador do estado? Quer se enraizar em São Paulo, se dedicar a conhecer sua realidade? Está convencido que tem os melhores projetos e as soluções mais realistas para seus problemas?

Se sim, o estranho é que só tenha descoberto agora esse amor por São Paulo e essa vocação para ser seu governador. O que teria ele feito nesses últimos anos com os sonhos que deve ter para o estado?

Talvez não tenha nenhum e esteja pensando em se candidatar sem qualquer projeto administrativo, como parte de um movimento eleitoral de finalidades exclusivamente políticas. É provável e há muitos antecedentes de candidaturas assim. São as de ¿atitude¿, em que a intenção é marcar posição e defender alguma tese, que costumam aparecer em eleições presidenciais e são típicas de micropartidos.

Se o que Ciro quer é apenas complicar a vida dos tucanos em São Paulo e contribuir para a desconstrução da imagem do PSDB paulista, ninguém pode impedi-lo. Difícil vai ser convencer os eleitores a votar em uma candidatura como essa.

Mais difícil, no entanto, é entender por que o PT deveria embarcar nesse projeto, como quer Lula, seu inventor e patrocinador. Será que ele acha que os 30% de simpatizantes do partido no estado irão às urnas para referendar seus planos? Será que imagina que é raciocinando assim que o eleitor escolhe seu candidato a governador?

Se tudo isso vier a acontecer, sabe-se lá quanto tempo vai se passar até que os eleitores petistas de São Paulo se reconciliem com o PT.