Título: Segurança de menores é prejudicada pela burocracia
Autor: Bruno, Cássio
Fonte: O Globo, 22/04/2011, O País, p. 3

Programa de proteção a crianças e adolescentes também sofre com os atrasos nos repasses de verba

RIO e BELO HORIZONTE. O atraso nos repasses de verba também prejudica o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência. Segundo Carmem Oliveira, secretária nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o entrave ocorre, principalmente, em relação à transferência do dinheiro dos governos estaduais para as ONGs. Só no ano passado, havia 514 testemunhas protegidas no país - mais da metade por ameaça de traficantes -, sendo que 318 casos de desligamentos ocorreram por uma série de motivos, entre eles a não aceitação das regras impostas para serem mantidos no programa.

- O governo federal repassa a verba. A demora dos governos estaduais para renovar os convênios ou escolher as ONGs acaba atrasando - admite Carmem Oliveira.

Ao todo o PPCAAM, conhecido também como Projeto Legal, funciona em 11 estados conveniados, e as vítimas são encaminhadas ao projeto por meio dos conselhos tutelares. O orçamento, em 2011, é de R$14 milhões, quase R$3 milhões a mais em relação ao ano passado. Mesmo assim, integrantes do programa reclamam.

- Nenhuma criança fica sem atendimento. Mas sempre ficamos limitados. O atraso para receber o dinheiro complica muito a nossa situação - diz um deles, que preferiu não se identificar.

Apesar de 514 crianças e adolescentes estarem sob proteção, o número chega a 876 porque, em alguns casos, os familiares das testemunhas também são incluídos no programa. Desde 2003, quando o projeto começou, já passaram pelo PPCAAM 2.860 pessoas, entre crianças, adolescentes e parentes.

- Ao contrário do Provita, o PPCAAM tem uma peculiaridade: nós fazemos o acompanhamento no núcleo familiar, o que não ocorre com as testemunhas maiores de idade - ressalta Carmem Oliveira.

De acordo com a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, pelo menos 57% das vítimas estão ameaçadas de morte por estarem envolvidas com o tráfico de drogas. Seis meses é o tempo de permanência dos protegidos no programa, sendo que 63% deles têm renda familiar de até um salário mínimo, 80% têm entre 13 e 17 anos e 60% não completaram o ensino fundamental.

Em Minas, dificuldades após saída do programa de proteção

Principal canalizador de denúncias de violação de direitos humanos em Minas Gerais, o deputado estadual Durval Ângelo aponta o atendimento pós-programa de proteção como um dos principais gargalos da política de atendimento a pessoas ameaçadas no estado. Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas (ALMG), Durval é procurado frequentemente por pessoas que já saíram do programa e não contam com o apoio que precisam para voltar à vida normal.

- Os responsáveis pelo atendimento precisam tratar com mais seriedade e mais cuidado as pessoas que deixam o programa porque a ameaça se dissipou. É uma gente que foi obrigada a se adaptar a uma vida totalmente inesperada, cheia de limitações, e que de repente é chamada a voltar à vida normal sem ter havido qualquer iniciativa efetiva de reestruturação de suas vidas - denuncia ele, que não nega a intenção dos governos de garantir um pós-atendimento, mas apenas na teoria, e não na prática.

Durval cita casos recentes envolvendo testemunhas que foram inseridas no programa de proteção e que, anos depois, o procuraram porque não conseguiram voltar à vida normal, mesmo após a prisão de criminosos relacionados aos episódios que originaram seus depoimentos. Entre os casos estão os de mulheres de Belo Horizonte que denunciaram a máfia de policiais e de adolescentes e que trouxeram à tona uma rede de pedofilia na capital mineira.