Título: Depois do choque, é tempo de articulações
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 05/08/2009, Política, p. 4

Baixada a poeira da ação da tropa de elite, Sarney retoma o trabalho de costurar alianças para se manter na presidência do Senado. Sarney presidiu parte da sessão e retomou o hábito de circular em rodinhas de conversas com oposicionistas

Ciente de que a crise não arrefeceu, mas otimista no que se refere à própria capacidade de conquistar votos, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), decidiu tomar a frente na construção de pontes com aqueles que tentam arrancá-lo da presidência da Casa. Começou esse trabalho com um simples gesto que não fazia havia dois meses: circular pelo plenário em rodinhas de conversas com os oposicionistas. ¿Aja com o coração¿, pediu Sarney ao líder do DEM, José Agripino (RN), seu parceiro na construção da candidatura de Tancredo Neves à presidência da República, no período de redemocratização. ¿Se pudesse falar com o coração, faria¿, disse Agripino, num clima amistoso, mas firme.

Na roda estavam ainda os senadores Adelmir Santana (DEM-DF) e ACM Júnior, que acompanhou Sarney em todas as conversas. Foi ACM Júnior que ajudou na operação ¿quebra-gelo¿, indo buscar o presidente na cadeira central da Mesa Diretora. A conversa entre os dois começou de forma simples, com o senador baiano perguntando como estava Marly, mulher de Sarney, e questionando se sua mãe, Arlete, a viúva do senador ACM, havia conseguido falar com ela em São Paulo, no período em que Marly esteve no Hospital Sírio-Libanês em função de uma queda.

Os dois desceram juntos os três degraus que separam o comando da Casa dos demais senadores e Sarney se posicionou estrategicamente ao lado do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), numa roda em que estava ainda o senador João Durval (PDT-BA). Tasso logo cobrou: ¿E essa tropa de choque, hein?¿. Sarney foi direto: ¿Sempre fui do diálogo¿, respondeu, com ares de quem não tem a menor responsabilidade pela sessão bate-boca entre aliados e rivais de Sarney na última segunda-feira.

Sarney foi para o plenário quando o senador Renato Casagrande (PSB-ES) ocupava a tribuna, num discurso em prol do afastamento do presidente da Casa. Altivo, ele ouviu calado as palavras do socialista, do líder tucano Arthur Virgílio (AM) e de Agripino, todos pelo afastamento. Agripino chegou a falar que ¿o fulcro da crise é Sarney¿ e usou a expressão ¿Casa conflagrada¿. Depois, na conversa no centro do plenário, Agripino saiu com a sensação de que o peemedebista ficara magoado, por conta das queixas que Sarney lhe fez: ¿Querem me colocar como o centro de uma crise e eu não sou¿, queixou-se o maranhense.

Hoje, o presidente irá à tribuna. Pretendia falar ontem, mas desistiu para dar mais 24 horas para baixar a poeira e coincidir com a reunião do Conselho de Ética, o campo onde será travada a primeira batalha regimental (veja na página 5). ¿Vou me defender¿, disse ao Correio. Ele espera arregimentar mais apoios e reforçar a tese do arquivamento das denúncias feitas ao Conselho.

Imprevisível

Embora Sarney e seu grupo estejam confiantes, ninguém no Senado é capaz de apontar como irá terminar a crise. As dúvidas dominam os pensamentos até dos mais experientes, como Marco Maciel (DEM-PE), Renan Calheiros (PMDB-AL), Jaime Campos (MT), Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), Sérgio Guerra (PSDB-PE), Tasso e Agripino. Nem mesmo se sabe se Sarney conseguirá atravessar a crise sem se ver obrigado a, mais na frente, entregar a presidência da Casa. Mas todos enxergam diferenças entre o episódio que envolveu Renan Calheiros há dois anos e o atual.

Mesmo a turma da oposição vê Sarney com mais estofo político. E, ao contrário daquela crise, esta respinga nos principais partidos. Alguns senadores têm em mãos estudos que mostram que, de 50 reuniões da Mesa Diretora nos últimos anos, apenas 10 tinham ata escrita com as decisões. E os tais atos secretos, considerados um dos pontos frágeis do presidente da Casa, não se limitam aos tempos de Sarney.

Para completar, Sarney tem um trunfo: o apoio de Lula, que, embora tenha dito de público ¿ ¿o Senado não é problema meu¿ ¿, tem líderes do governo, ministros e governadores estaduais trabalhando para amenizar o clima na Casa. O líder do governo no Congresso, Romero Jucá (PMDB-RR), tem se dedicado dia e noite à operação salvamento: ¿Estou trabalhando para desidratar a crise¿.

Eu sempre fui do diálogo. Querem me colocar como centro de uma crise e eu não sou¿

José Sarney, presidente do Senado

Bandeira branca hasteada Mercadante e senadores da oposição baixaram o tom das críticas

O dia começou tenso no Senado, com a perspectiva de os petistas, em mais uma reunião, pregarem o afastamento de José Sarney (PMDB-AP). A possibilidade foi reforçada quando o líder da bancada, Aloizio Mercadante (SP), participou de encontro com os senadores de oposição que lideram esse movimento. Quando ele saiu, no entanto, os peemedebistas respiraram aliviados: o PT não assinaria nenhuma nota de iniciativa da oposição para que Sarney saísse, cancelou a conversa da bancada e apenas reforçou que não pretendia mudar a posição pela licença temporária de Sarney em função da crise dos atos secretos (1).

A posição de cancelar a reunião e não chancelar a nota dos oposicionistas enfraqueceu o movimento dos senadores que, até ontem, pregavam a renúncia de Sarney e passaram a optar pelo afastamento temporário numa tentativa de atrair o PT e demais aliados do governo, afastando-os do PMDB.

O líder peemedebista, Renan Calheiros, percebeu a manobra e, no fim da manhã, ligou para o comando do PDT e pediu socorro para evitar que o partido em bloco assinasse a nota da oposição. Deu certo. Ao comando pedetista chegou a informação de que pode haver manifestações isoladas, como a de Cristovam Buarque (DF), mas não do partido. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, desembarcou ontem em Brasília para ajudar a manter a base governista unida.

A ordem dos aliados do governo e do PT hoje é tentar arrefecer a crise para retomar as votações em plenário. Por isso, Mercadante compareceu à reunião dos oposicionistas. O petista disse que o objetivo foi apaziguar os ânimos, acirrados no dia anterior com a discussão em plenário entre os senadores Pedro Simon (PMDB-RS), Renan Calheiros (PMDB-AL) e Fernando Collor (PTB-AL). ¿Precisamos debater política, não podemos radicalizar¿, apelou Mercadante, seguido pelo líder do PSB, Renato Casagrande (ES). ¿O debate do jeito que estava sendo feito não contribui para a solução da crise.¿

O recado funcionou. À tarde, o líder tucano Arthur Virgílio foi à tribuna num tom mais calmo. Ele foi convencido pelos colegas de partido de que a agressividade não vai resolver nada nem ajudá-lo a se livrar de uma representação contra ele no Conselho de Ética, anunciada pelo PMDB, mas que oficialmente ainda não foi entregue. (DR)

1 - NOMEAÇÕES VÁLIDAS Mesmo tendo sido nomeados por atos secretos, 79 servidores deverão ser mantidos na estrutura do Senado. Decisão da Diretoria-Geral do Senado deu aos gabinetes a função de atestar se esses funcionários, nomeados irregularmente, compareceram ao trabalho antes do escândalo, se ainda continuam trabalhando e se há interesse em mantê-los. A medida atinge inclusive Henrique Dias Bernardes, namorado da neta do presidente do Senado, José Sarney, nomeado por ato secreto e lotado atualmente no Serviço Médico do Senado.