Título: De volta para o passado
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 05/08/2009, Política, p. 4

Que outro governo brasileiro teve nas mãos a circunstância de poder matar os juros a machadadas sem provocar inflação? Qualquer um dos antecessores de Lula teria dado um braço por uma oportunidade assim

A crise econômica global acabou dificultando a realização do grande sonho de Luiz Inácio Lula da Silva para o segundo mandato, de um governo marcado por forte crescimento econômico. Mas deu também a ele uma desculpa: se não crescemos mais, foi por causa da crise. Que quando interessa é uma marola. E quando convém é um tsunami. E de desculpa em desculpa o Brasil vai perdendo o bonde da história.

O tempo registrará também que o governo Lula deitou fora a maior oportunidade de trazer o Brasil para um patamar civilizado de juros. Uma combinação perversa de ignorância econômica com esperteza política faz com que o mercado orquestre os festejos pelo ¿menor juro nominal de todos os tempos¿, enquanto continuamos praticando um dos maiores juros reais do mundo, em época de deflação e de súplicas desesperadas por mais e mais liquidez.

Outra confusão deliberada é quanto a índices. Desde o começo da crise o governo vem afirmando que ¿o pior ficou para trás¿. Uma hora certamente o pior terá ficado para trás. E o governo poderá dizer que sempre esteve certo. Uma releitura inteligente do ¿ponto futuro¿, imortalizado por um dos maiores técnicos de futebol que o Brasil já teve, Cláudio Coutinho. Que lamentavelmente morreu muito novo.

Os índices são ruins? Ora, eles refletem o passado. É óbvio que estatísticas falam sobre o passado. Ou alguém conhece estatísticas sobre o futuro? O que cabe discutir agora, acho, é o ritmo de retomada das atividades econômicas. Será que estamos fazendo o melhor possível? Ou devemos conformar-nos novamente com a mediocridade? Pelo jeito, vamos ficar aqui de dedos cruzados torcendo para um milagroso PIB de 1% este ano, enquanto a China bate nos 8%. Quem está saindo antes da crise são eles, não nós.

Enquanto sobram cuidados com a retórica, faltam providências ¿ ou falta vontade política ¿ para tocar alguns aspectos da vida prática. Entramos e vamos saindo da tormenta sem enfrentar o spread bancário. O brasileiro chega a pagar de juros mais de 10 vezes o que recebe para emprestar dinheiro aos bancos. E Lula alcançará o fim de seus oito anos sem ter mexido nesse câncer, sem tocar no oligopólio bancário, a fonte da extorsão praticada contra os empresários e os trabalhadores.

O mais preocupante, porém, começa a se manifestar no câmbio. A política monetária ajuda a levar o real pelo caminho de volta, rumo à revalorização. E isso num mundo que se ajeita para retomar a expansão produtiva. Assim, estaremos novamente condenados a torcer, angustiados, para que mais e mais chineses e indianos comprem nossa carne, nossa soja e nossos minérios. E colocaremos mais e maiores obstáculos a que nossos industriais conquistem mercados lá fora.

Enfim, passado o tsunami (ou a marola), vamos marchando de volta para o passado, sem ter aproveitado a imensa janela de oportunidade que a crise nos abriu. Que outro governo brasileiro teve nas mãos a circunstância de poder matar os juros a machadadas sem provocar inflação? Qualquer um dos antecessores de Lula teria dado um braço por uma oportunidade assim.