Título: Sociedade não pode ficar refém
Autor: Braga, Isabel; Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 28/04/2011, O País, p. 3

Presidente do TST diz que paralisação de juízes é inadequada; entidades protestam

Isabel Braga, Carolina Brígido, Marcelo Remígio, Sérgio Roxo e Isabela Martin

Opresidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), João Oreste Dalazen, criticou duramente ontem a paralisação de 24 horas dos juízes federais por reajuste salarial de 14,79%, além de igualdade de prerrogativas com o Ministério Público, mais segurança para magistrados que combatem o crime organizado e mais estrutura para os Juizados Especiais Federais. Dalazen classificou o movimento de "impróprio e inadequado" e lembrou que os juízes desempenham serviço essencial à sociedade.

- Pessoalmente, entendo que a greve em relação a atividades judiciais, promovidas por juízes, é uma providência imprópria e inadequada. Os juízes desempenham função pública como agentes de Estado. Não devem promover greve, desempenham serviço essencial. A sociedade não pode ficar refém da magistratura - afirmou Dalazen, acrescentando: - Considero uma decisão precipitada.

O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Gabriel Wedy, anunciou que, apesar da disposição para o diálogo, a categoria não descarta a possibilidade de nova greve. Os juízes vão se reunir em até 90 dias para decidir:

- Vamos nos reunir, e a Ajufe vai fazer o que a categoria decidir - disse Wedy, que cobrou do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, mais comprometimento com a causa:

- É importante que o presidente Peluso se envolva mais. Nós acreditamos no diálogo, mas precisamos de um empenho maior do presidente. Ele deveria conversar mais sobre essas questões com os outros poderes.

Não foi feito um levantamento da adesão dos juízes à paralisação ontem, mas, segundo a Ajufe, o movimento conta com o apoio de 83% dos 1.492 magistrados federais. Para Wedy, a paralisação ganhou mais força depois da determinação do Conselho da Justiça Federal (CJF) de cortar o ponto de quem aderisse ao movimento. Caberá a cada Tribunal Regional Federal identificar quem faltou ao trabalho e formalizar o desconto.

- É inadmissível que se puna o magistrado que está lutando pela sua vida, pela sua carreira. Em todo lugar do mundo, o direito de paralisação e de greve é garantido - protestou Wedy, que considerou o corte de ponto inconstitucional e anunciou que a entidade vai recorrer.

A categoria pleiteia 14,79% a mais na folha de pagamento, conforme projeto de lei de iniciativa do STF que tramita na Câmara desde o ano passado. O presidente da Ajufe afirmou que, embora a Constituição preveja reajustes anuais, em seis anos teria havido apenas uma revisão. De acordo com a tabela disponibilizada pelo Conselho Federal de Justiça (CFJ), de vigência a partir de fevereiro de 2010, o salário dos juízes dos tribunais regionais federais é de R$24.117,62; de juízes federais é de R$22.911,74; e de juízes federais substitutos é de R$21.766,16.

Segundo Wedy, os atentados e ameaças a juízes e familiares têm aumentado. Ele citou como exemplo o Rio, onde três dos dez juízes de varas criminais estão ameaçados. O presidente da Ajufe disse que a Polícia Federal não tem efetivo suficiente para fazer a escolta dos magistrados e, por isso, propõe a criação de uma polícia judiciária. Ele defende que sentenças contra o crime organizado levem a assinatura de três magistrados, para dificultar a retaliação dos bandidos.

No Rio, a paralisação suspendeu ontem todas as audiências marcadas. Somente casos urgentes, como concessão de liminares e habeas corpus para presos, foram analisados. De acordo com a juíza federal Veleda Soares, delegada da Ajufe no estado, os pontos de atendimento foram mantidos abertos à população:

- No Rio, a questão da segurança se agrava. O juiz federal não tem apoio do estado para garantir a sua segurança e a de sua família. Tem que arcar com segurança pessoal, carro blindado e a instalação de câmeras em casa. Nos locais de trabalho, há apenas seguranças patrimoniais, que sequer têm porte de arma. A violência tem trabalhado em silêncio e estamos chamando a atenção da sociedade.

As audiências suspensas no Rio foram remarcadas, e hoje a Ajufe fará balanço da paralisação no estado.

Em São Paulo, a Associação dos Juízes Federais do Estado (Ajufesp) diz que apenas os casos de urgência foram atendidos. Os que aderiram ao movimento não marcaram audiências para ontem.

- Estou bem satisfeito e surpreendido com a adesão - afirmou Ricardo de Castro Nascimento, presidente da associação paulista.

Cerca de 60 magistrados participaram de um ato no auditório do Fórum Ministro Pedro Lessa, na capital paulista, à tarde. De acordo com o presidente do Ajufesp, os atendimentos foram realizados com o bom senso dos magistrados, principalmente para prisões em flagrante, relaxamento de prisões ilegais e concessão de liminares para que doentes recebam remédios.

O desembargador Fausto de Sanctis, que foi juiz do Caso Satiagraha, criticou o anúncio de que o Conselho de Justiça Federal (CJF) cortará o ponto dos grevistas.

- O Conselho sinaliza, com essa decisão, que o juiz então passa a ter direito a hora extra e a compensação porque está dando tratamento como se fôssemos funcionários públicos comuns. É meio dúbia essa situação - atacou De Sanctis, que também criticou as situações de risco vividas por juízes que julgam casos envolvendo o crime organizado.

Advogados paulistas disseram não ter tido problema para acessar processos, apesar de os servidores da Justiça terem feito a paralisação. O único problema ocorreu no protocolo:

- Em vez de dois minutos como é normalmente, demorei 25 para protocolar uma petição. Eram dois funcionários no atendimento e não quatro - disse o advogado Felipe Franco.

No Ceará, cerca de 200 audiências deixaram de ser realizadas, metade delas em Fortaleza. Audiências urgentes, como os casos com réus presos, aconteceram normalmente. A paralisação afetou principalmente as varas de juizados especiais e criminais, normalmente as mais movimentadas.

- A magistratura federal está se sentindo desprestigiada - disse o juiz Nagibe de Melo Jorge Neto, da 10ª Vara Federal em Mossoró (RN) e vice-presidente da Associação de Juízes Federais (Ajufe) para a 5ª Região.

oglobo.com.br/pais