Título: Casas ainda sem banheiro
Autor: Almeida, Cássia ; Ribeiro, Efrém
Fonte: O Globo, 30/04/2011, O País, p. 4

RIO e TERESINA. Se quase metade (44,5%) da população brasileira não tem acesso à rede de coleta de esgoto, uma parcela significativa desses domicílios sequer tem banheiro em casa para se ligar às redes. São 3.562.671 domicílios sem banheiro no país, o que representa 6,2% das casas, de acordo com os números do Censo 2010, divulgados ontem pelo IBGE. O número fica ainda mais impressionante ao se constatar que 3.050.945 casas têm três banheiros, revelando pelo número de sanitários, a desigualdade que assola o país. Já no topo da pirâmide sanitária estão os 1,2 milhão de casas com quatro banheiros ou mais. A grande maioria das casas tem um banheiro. São 67,14% nessa condição.

E a situação já foi pior. Em 2000, quando houve o último Censo, eram 7,5 milhões de domicílios sem banheiro. Para o engenheiro sanitarista Léo Heller, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a queda de 52% é significativa:

- Reflete a melhoria de renda da população e as políticas habitacionais.

A grande maioria dos sem-banheiro está no Nordeste: 63,3%, com 2.257.051 domicílios. Por estado, Maranhão assume a liderança do ranking, com 587.657 lares sem banheiro. A menor proporção é no Sul, com 2,4% dos lares.

A dona de casa Ana Regina Freitas Ferro, de 28 anos, e seu filho Walisson Freitas Ferro, de 9, saem duas vezes por dia de casa e caminham mais de um quilômetro para pegar água em uma caixa d"água nas margens da rodovia BR-316, zona rural de Teresina. No povoado Nossa Senhora de Fátima, onde Ana Regina mora com seus dois filhos, não há saneamento. Os moradores não têm banheiros e esgotos. Eles fazem suas necessidades fisiológicas na mata que fica no entorno das casas.

- Se tivesse banheiro em casa não teríamos água para dar a descarga, nem para limpar os aparelhos - diz Ana Regina.

Ela e Walisson levam a água em carros de mão cheios de tambores e vasilhames de plástico. Para economizar a água, o menino toma banho na própria caixa d"água, vestido, mesmo ritual de jovens que são encarregadas de carregar água para suas casas em Nossa Senhora de Fátima. As meninas ficam envergonhadas quando chega alguém de fora da comunidade.

- O nosso dia a dia é esse. A gente pega água para beber, para cozinhar e a gente lava a roupa sob o sol quente no pé da caixa d"água. Como Teresina é muito quente, a gente fica com agonia quando não se banha, e a falta de água fica pior ainda - conta Ana Regina, antes de começar a empurrar o carro de mão.

Em Chapadinha Sul, a 25 quilômetros do centro da capital piauiense, os moradores não têm acesso à água potável em suas casas há um ano. Havia um poço comunitário, mas a Associação de Moradores atrasou o pagamento das contas de energia elétrica, a distribuidora Eletrobras cortou a luz, e as bombas pararam.

A companhia de água nunca ampliou o abastecimento de água para o povoado de mais de mil habitantes. Sem água e saneamento, os moradores de Chapadinha Sul fazem suas necessidades fisiológica na floresta que circunda a região.

- Dá vontade de sair daqui e ir para um lugar que tenha água. Não se tem água para beber, banhar, nem para lavar roupas. Pega-se água emprestada de pessoas que têm mais condições e cavam poços. Não temos essa condição e ficamos pedindo água, por favor - lamenta Ana dos Reis, de 17 anos, que ajuda a cuidar de sua família de 12 pessoas desempenhando atividades domésticas.

Sua tia, a agricultora Maria da Luz, de 47 anos, diz que sente-se humilhada quando procura água na casa dos moradores que têm poços, mas as residências estão fechadas.

- Não tratam a gente como seres humanos. Até os animais precisam de água - queixa-se. - Não é todo dia que a gente se banha.