Título: Porta de saída do assistencialismo
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Fonte: O Globo, 30/04/2011, Opinião, p. 6

Do ciclo de 16 anos de poder divididos entre tucanos e petistas saiu um Estado insaciável na cobrança de impostos e generoso redistribuidor de dinheiro do contribuinte - no período, a carga tributária escalou aproximadamente oito pontos de PIB e chegou a 35%. Obedientes ao modelo de Estado assistencialista desenhado na Constituição de 1988, sucessivos governos do PSDB e do PT ampliaram gastos de custeio no pagamento de benefícios previdenciários e assistenciais.

O perfil social da população requeria mesmo programas de transferência de renda - e ainda requer. Os problemas surgiram com o crescimento excessivo destas transferências, via Bolsa Família - nome dado na Era Lula a um conjunto de programas herdado dos tucanos - e, em função da política de reajustes do salário mínimo acima da inflação, também por meio de benefícios previdenciários. Entre eles, os de cunho marcadamente assistencial, como a aposentadoria rural e o benefício continuado a pessoas com mais de 60 anos, e deficientes físicos, pagos sem a necessidade de contribuição prévia.

Só o INSS, guichê desses pagamentos, emite 3,5 milhões de cheques mensais por conta dos benefícios continuados. Ao todo, o Orçamento distribuiu, em 2008, 27,4 milhões de contracheques no valor de um salário-mínimo, segundo o economista Raul Velloso. No caso do Bolsa Família, se forem considerados os dependentes, 50 milhões de pessoas são direta e indiretamente beneficiados.

A edificação de um Estado provedor tem custos palpáveis - para quem paga impostos - e intangíveis, como a falta de recursos para gastos que, por ironia, iriam evitar a necessidade de programas assistencialistas. Educação é um deles.

Eis por que o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico (Pronatec), lançado quinta-feira pela presidente Dilma Rousseff, dá esperança de, se for bem executado, romper um nefasto mecanismo instalado toda vez que se institui um Estado provedor, assistencialista: os beneficiários se acomodam a viver sob o guarda-chuva oficial, e não exercem na plenitude os direitos da cidadania numa sociedade moderna. Mesmo que o Bolsa Família exija contrapartidas - visita a postos de saúde, matrícula de filhos na escola, etc - era necessária uma ação mais forte para incentivar a autonomia do bolsista.

A meta do Pronatec é treinar 3,5 milhões de pessoas até o fim do governo, em 2014, dos quais 500 mil este ano. Além de inscritos no Bolsa Família, o programa tem como alvo estudantes do ensino médio - onde é alta a taxa de evasão - e reincidentes no uso do seguro-desemprego.

A iniciativa chega em uma fase de mercado de trabalho ainda aquecido - taxa de desemprego na faixa dos 6%, nunca alcançada antes - e falta de mão de obra em vários setores. Os inscritos serão treinados para empregos em segmentos do setor de serviços, construção civil e tecnologia da informação.

A estimativa é de 200 mil atendidos pelo Bolsa Família serem qualificados em quatro anos. Não é muito diante das 13 milhões de famílias cadastradas no programa assistencialista. Mas significa uma porta aberta. Faltam outras.