Título: Mais de meio milhão de casas têm luz clandestina
Autor: Schmidt, Selma ; Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 30/04/2011, O País, p. 9

RIO e MACEIÓ. No Censo 2010, pela primeira vez, o IBGE conseguiu medir as ligações irregulares de luz no Brasil. São mais de meio milhão de casas, precisamente 550.612 lares, que têm luz, mas não estão ligados a uma companhia distribuidora. Além disso, outros 728.512 domicílios vivem às escuras, sem luz nem de gato - situação mais comum no Nordeste, onde 2,27% dos lares não têm acesso à energia elétrica, contra 1,27% da média nacional.

O Estado do Rio chama a atenção pelo número de gatos. São mais de 65 mil domicílios que têm acesso à energia elétrica por "outras fontes", ou seja, via gato - 1,2% do total, contra 0,97% da média nacional.

Na Light, energia furtada é igual à produção de Angra 1

Só a Light, que atende a quatro milhões de clientes em 31 municípios do Estado do Rio de Janeiro, calcula um índice de perdas de mais de 5,3 mil gigawatts (GWh) em energia, no ano passado. A empresa compara essas perdas com "gatos" à produção anual da usina nuclear de Angra 1. Essa quantidade de energia furtada é equivalente ainda, segundo a Light, ao suprimento de um ano para o Espírito Santo ou para 20 municípios do Vale do Paraíba Fluminense durante quatro anos.

Num acampamento em Sepetiba, 108 famílias de "sem teto" deram a sua solução para não ficar sem luz. Responsável pelo acampamento, José Carlos Barreto de Oliveira conta que puxaram a energia de uma padaria próxima.

- Conversamos com o dono da padaria e ele nos cedeu a luz. - diz José Carlos - Só que é tudo improvisado. Não podemos ligar nem uma geladeira.

De acordo com a Light, 40% dos furtos de energia acontecem em áreas de risco (favelas e conjuntos favelizados). Logo, o restante da cidade fica com a maior fatia, de 60%. A empresa afirma que vem adotando medidas para diminuir os impactos da clandestinidade, tais como aumentar as inspeções, ampliar o volume de recursos e o monitoramento de toda a rede elétrica, intensificar a implantação de novas tecnologias para dificultar o furto e o vandalismo e realizar programas de eficiência energética em comunidades.

"Vale lembrar que o furto de energia afeta não apenas o caixa das empresas, mas também o bolso de todos os consumidores, principalmente daqueles que pagam para ter um fornecimento sem interrupções e com qualidade" informa a Light por e-mail.

Na favela de Jaraguá, no bairro histórico do mesmo nome de Maceió, 450 famílias vivem há 60 anos em casas de madeira, com esgoto despejado no mar e água e luz clandestinas. Os moradores tiram seu sustento da pesca na praia da Avenida, a segunda mais poluída de Alagoas.

Em meio à lama de um dia de chuva na capital alagoana, Sami da Silva Santos lembra que até o ex-presidente Lula - que sobrevoou a favela em julho de 2009 - pediu o fim das moradias improvisadas:

- Ele disse que era uma ilhota e as pessoas tinham que ter casas e dignidade.

Os moradores, porém, se recusam a sair do lugar.

- Eu tenho medo de sair daqui do meu sustento. Moro aqui há 27 anos. Faço a limpeza do peixe. Como fica? Vou para um lugar sem nada disso? - pergunta-se Josefa Maria dos Santos.

O novo conjunto habitacional fica a quatro quilômetros da atual favela de Jaraguá. Tem creche, quadra poliesportiva, banheiro, água encanada, luz. Mas é longe do lugar onde os pescadores atracam seus barcos.