Título: Brasil fica mais feminino, já que violência leva homens mais cedo
Autor: Motta, Cláudio ; Bruno, Cássio
Fonte: O Globo, 30/04/2011, O País, p. 15

O acampamento Unidos Venceremos, em Nova Sepetiba, Zona Oeste do Rio, é um pequeno pedaço do Brasil cada vez mais feminino que emerge dos números do Censo: nas famílias que lutam para ter uma casa, mulheres negras e pobres comandam casas, administram a renda da família e sonham com um futuro melhor para os filhos.

No Brasil, a média é de 96 pessoas do sexo masculino para cada cem do feminino. Essa diferença aumentou em relação ao último Censo, feito em 2000, quando havia 96,9 homens para cada cem mulheres. De acordo com o IBGE, o número de mulheres supera em quase quatro milhões (3.941.819) o de homens.

¿ Aqui a gente sonha é com casa, comida, escola decente ¿ diz a desempregada Márcia Cristina Menezes, de 28 anos, que em janeiro se mudou para o assentamento com os 8 filhos.

Há 27 dias, nasceu no acampamento a primeira neta de Márcia, filha de Daniele, de 14 anos. A família sobrevive com os R$114 do Bolsa Família e doações de vizinhos.

¿ Quem cuida de tudo aqui são as mulheres. Tem homem também, mas eles são minoria. A gente não desiste da luta ¿ diz a líder comunitária Rosimar dos Santos, de 42 anos.

Em muitos lugares do Brasil, como no acampamento de Nova Sepetiba, os homens ficaram pelo caminho, levados por acidentes de trânsito ou pela violência. As mortes por causas externas são a principal causa da redução da proporção de homens em cidades grandes. O Rio de Janeiro foi o estado com menos homens para cada grupo de cem mulheres, 91,2, de acordo com o Censo 2010.

No dia 21 de abril de 2002, Cláudia Monte voltava da casa de praia em Mangaratiba seus dois filhos, uma menina de 13 anos e um garoto de dez, e com o marido, Elísio Alves da Silva, então 47 anos. Ele morreu baleado num assalto na Avenida Brasil, mudando para sempre a vida da família. Os filhos foram morar no Canadá e ainda têm pesadelos com o dia da morte do pai. Cláudia fechou sua empresa e hoje se dedica a projetos de auxílio a famílias de vítimas de violência.

¿ É um trauma que nunca mais se cura. A vida nunca mais é mesma. E soube, na missa de sétimo dia do menino João Hélio, outra vítima da violência, que a investigação do assassinato do meu marido tinha sido arquivada ¿ disse Cláudia.

A segunda unidade da Federação com maior proporção de mulheres é o Distrito Federal, com 91,6 homens para cada cem mulheres. Apenas na Região Norte há mais homens do que mulheres. A Centro-Oeste, por sua vez, registrou 98,6 homens para cada grupo de cem mulheres. Enquanto isso, as regiões Sul e Nordeste têm a proporção de 96,3 homens para cada cem mulheres, e 95,3 homens para cada cem mulheres, respectivamente.

¿ Nascem mais homens do que mulheres. A natureza é sábia. Mas a mortalidade entre os homens, mesmo natural, é maior que entre as mulheres. Por isso, a expectativa de vida da mulher brasileira é maior do que seis anos. Contribui para essa distância o fato de, no caso brasileiro, eu tenho também a violência nos grandes centros urbanos, associado, inclusive, ao transporte, ao trânsito, e que afeta majoritariamente os jovens do sexo masculino. Isso nas grandes cidades, principalmente no Rio e em São Paulo ¿ disse o presidente do IBGE Eduardo Pereira Nunes.

O professor pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticas da Uerj Gláucio Soares explica que o número de homens vítimas da violência é ainda maior quando são considerados a idade e a raça. Ele afirma que a principal causa da letalidade dos homens jovens são as chamadas mortes violentas, que incluem assassinatos e os acidentes de trânsito.

¿ As mortes violentas são mais concentradas entre os homens pobres. E morrem mais 82% de negros do que de brancos. As parceiras, que seriam as parcerias naturais, são as mais prejudicadas. Isso gera padrões de comportamento diferentes. Muitas dessas mulheres acabam se relacionando afetivamente com homens mais velhos por causa da escassez de homens adolescentes, com 17, 18 anos, sobretudo os pobres e negros ¿ disse Gláucio.

O especialista afirma, ainda, que a população carcerária é maior justamente neste grupo de homens pobres e negros, contribuindo para aumentar ainda mais a desproporção entre homens e mulheres.

¿ Os homens jovens são os que matam mais, morrem mais, e são mais presos, embora o número de homens presos por homicídios seja uma fração pequena do número total ¿ ponderou Gláucio.