Título: Petrobras boicota pequenos
Autor: Mendes, Karla
Fonte: Correio Braziliense, 05/08/2009, Economia, p. 12

Produtores acusam a estatal de recusar petróleo de campos menores para não estimular a concorrência

A Petrobras está boicotando a compra de petróleo de pequenos produtores (1). O argumento usado pela companhia é o de que não tem condições de fazer o tratamento do óleo. O principal motivo da recusa, no entanto, seria a decisão política da direção da empresa de não estimular a concorrência de novos produtores. ¿Existe uma disputa política na Petrobras, que, apesar de ter condição de fazer o tratamento do óleo, tem a orientação de não negociar com os independentes¿, afirma um produtor que pediu anonimato por temer represálias. ¿Eu conheço bem a Petrobras e sei o quão rancorosa ela é¿, diz.

A situação é tão complicada que, na 10ª rodada da Agência Nacional do Petróleo (ANP), muitas empresas desistiram dos lotes arrematados, preferindo pagar a multa prevista em lei em vez de assumir investimentos sem a garantia de compra da produção. ¿É complicado. Ao assumirmos o direito de exploração, é preciso ter para quem vender. Se não há o principal cliente, estamos falando de investimentos sem retorno¿, assinala o mesmo produtor.

Para Adriano Pires, professor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), é uma bobagem a estatal boicotar os independentes, que respondem por 3,5% da produção total de petróleo do país, por vê-los como ameaça ao seu domínio de mercado. ¿Esses produtores nunca serão significativos, porque só existe um comprador: a Petrobras. Nem mesmo exportar eles conseguem, devido aos problemas de logística¿, ressalta. Em outros países, acrescenta Pires, há uma relação melhor entre produtores e compradores. ¿O problema no Brasil é que entre os produtores independentes e a Petrobras (donas das refinarias) há a política.¿

O especialista lembra que, antes do governo Lula, a Petrobras estava disposta a se desfazer dos campos pequenos, o que ampliaria o número de fornecedores e, claro, a concorrência. Mas voltou atrás. O pior, a seu ver, é a posição dúbia da estatal, que recorre a posições distintas de acordo com o seu interesse. ¿Em algumas situações, a Petrobras pensa como estatal e não quer vender campos, porque os considera estratégicos. Em outras, raciocina como empresa privada, tentando minar uma possível concorrência, ao não comprar o óleo dos independentes¿, frisa. David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da ANP, tem as mesmas críticas: ¿É o problema de sempre. Quem não tem relações com a Petrobras não consegue vender. Ou aceita as condições dela, ou está fora¿, afirma.

Desconto da discórdia

As queixas dos produtores independentes vão além do boicote. Segundo eles, quando compra a produção, a Petrobras exige um elevado desconto nos preços para compensar os custos com transporte e tratamento do óleo. A intenção é reduzir o valor desses descontos porque, com a eclosão da crise mundial, o preço do óleo despencou, mas o abatimento continuou o mesmo. O que, na opinião de Wagner Freire, presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás (Abpip), está comprometendo a rentabilidade de muitas empresas.

¿Quando o barril estava cotado a US$ 120, abater US$ 15 ou US$ 20 era viável. Mas, com o preço entre US$ 40 e US$ 50, não dá para ter o mesmo desconto. Por isso, tantos produtores estão com problemas¿, comenta Freire. ¿Cada produtor tem um contrato específico. A dificuldade é ter um valor aceitável. O problema é que a Petrobras não fala claramente o que é desconto de tratamento do óleo e do transporte¿, alerta.

Nas bacias terrestres, a produção das 22 empresas independentes caiu de 1.870 para 1.480 barris de óleo por dia de janeiro para maio. ¿Por que caiu? São dificuldades diversas, entre elas, a de comercialização porque só há um comprador no país¿, diz Freire. ¿Nos EUA, tem legislação especial. No Brasil, não¿, diz.

Nelson Narciso, diretor da ANP, explica que a agência não interfere nas questões comerciais entre produtores e a Petrobras. No entanto, o órgão defende melhorias das regras para os produtores independentes. Uma delas é a isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). ¿No Espírito Santo, já está em vigor. E estamos ajudando os produtores de Alagoas, Rio Grande do Norte e Sergipe, quando exportarem para a base (da Petrobras) na Bahia¿, diz.

Por nota, a Petrobras informa que ¿o valor dos descontos não tem vínculo com a cotação do petróleo. Está relacionado aos custos operacionais das atividades necessárias para adequação da qualidade do petróleo, armazenamento e movimentação para as refinarias e aos investimentos realizados para adequação das instalações para o recebimento do petróleo de produtores independentes¿.

1 - PAPEL RELEVANTE Produtores independentes são empresas que fazem exploração de petróleo e gás natural em pequena escala nas bacias sedimentares brasileiras, com concessão da ANP. A atuação desses produtores visa ao aumento da competição no mercado de petróleo no país e é de relevância estratégica, pelo papel que pode representar na geração de empregos e no desenvolvimento regional em complementação ao trabalho conduzido pelas grandes empresas, segundo a Abpip, que representa o setor.