Título: Deslizamento em túnel do PAC foi mantido em sigilo pelo governo
Autor: Martin, Isabela
Fonte: O Globo, 29/04/2011, O País, p. 10

Duas semanas antes de deixar a Presidência, Lula visitou obra no Ceará

FORTALEZA. Um deslizamento de solo na entrada do Túnel Cuncas I, localizado no município de Mauriti, no Ceará, paralisou as escavações da obra que faz parte do projeto de transposição do Rio São Francisco e integra o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Não houve feridos. Uma visita a essa obra foi um dos últimos compromissos oficiais do ex-presidente Lula, no dia 14 de dezembro, duas semanas antes de deixar o cargo.

O Túnel Cuncas I tem 15 quilômetros de extensão e liga Mauriti a São José de Piranhas, na Paraíba. Cerca de 98% do túnel ficam em rocha, mas foi no pequeno trecho em solo que o deslizamento, ocorreu no último dia 20. Mas até ontem ele foi mantido em sigilo pelo Ministério da Integração.

Ontem, em nota, o ministério disse que nas escavações de túneis em solo podem ocorrer "imprevistos geológicos" que induzem à ruptura do teto, acarretando o desprendimento da terra. Nesses casos, segundo a pasta, é feito o preenchimento do solo da região afetada antes de ser retomada a escavação.

O Consórcio Construtor Construcap/Toniollo e Busnello/Ferreira Guedes, responsável pela execução desse trecho, suspendeu as atividades até que sejam realizadas novas análises e estudos do solo. As visitações também foram suspensas por motivo de segurança. A imprensa não teve acesso.

As outras duas frentes de serviços da construção do Cuncas I, que estão localizadas no meio e na saída do túnel, estão funcionando normalmente, de acordo com o ministério.

O gestor administrativo do consórcio, José Roberto, disse que as empresas apenas executam o projeto da forma como foi contratado pelo Ministério da Integração e que representantes da pasta estão presentes na obra em tempo integral.

- Parece uma coisa muito séria, mas é bem mais simples - disse.

O ministério não informou o comprimento do túnel que fica em solo. No dia do acidente, já teriam sido escavados cerca de 80m, e o deslizamento teria atingido 50m desse total, segundo ex-operário ouvido pelo GLOBO, que pediu para não ser identificado.

Ele abandonou o trabalho um dia antes do deslizamento alegando insegurança. Nesse dia, segundo ele, uma rocha de aproximadamente 40kg caiu a menos de 1,5m à sua frente enquanto trabalhava na parte rochosa do túnel. Ele também relatou outros casos de acidentes. Em um deles, ocorrido este ano, um operário sofreu traumatismo craniano após ser atingido na cabeça por uma pedra. Máquinas que entram no túnel teriam o teto todo amassado.

Para ele, só não houve vítimas desse deslizamento porque ocorreu à noite. Disse ainda que há pelo menos um mês as obras do lado cearense do túnel - que chegaram a funcionar em três turnos - só estariam em operação em um único turno durante o dia.

- A maioria dos trabalhadores tem medo, mas fica porque precisa - contou.

O ex-operário disse ainda que ao serem contratados os trabalhadores recebem orientação sobre a importância de evitarem conversas sobre problemas da obra.

Cuncas I é o maior túnel subterrâneo para transporte de águas da América Latina. Além dele, há o Cuncas II, com quatro quilômetros de extensão. Para a construção dos dois túneis serão investidos cerca de R$203,3 milhões. A conclusão está prevista para dezembro de 2012.