Título: Não é intervenção
Autor: Villa-Lobos, Dado
Fonte: O Globo, 29/04/2011, Opinião, p. 7

DUDU FALCÃO e LEONI

Odebate sobre a reforma da lei de direitos autorais proposto pelo MinC, em 2010, que ficou 75 dias em consulta pública, tem seguido caminhos tortuosos. O que o anteprojeto de lei defende - e nós também - é que a gestão coletiva no Brasil, hoje exercida pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), volte a ser regulada pelo Estado. Não se deve confundir fiscalização com intervenção. Na maioria dos países desenvolvidos é assim: as entidades de gestão coletiva, que administram dinheiro de terceiros por meio de um monopólio concedido pelo Estado, são fiscalizadas por este. Se por um lado é compreensível a necessidade de centralização da arrecadação e da distribuição, por outro são essenciais a regulação e a fiscalização deste "direito de exclusividade" por uma instituição externa.

Neste passo, além da transparência tão almejada por nós, autores, o Estado poderá exigir a correta cobrança dos direitos autorais. Com valores justos, a inadimplência, sempre anunciada como sendo o maior problema do Ecad, vai naturalmente diminuir. Por que então não apoiar essas medidas? No lugar de poucos pagando muito, teremos muitos pagando um pouco menos. Com isso ganhamos todos. O número elevado de ações na Justiça tratando de direito autoral diminuirá, beneficiando os envolvidos na cadeia produtiva e também a toda sociedade.

Outro grande benefício de termos o Estado como guardião do processo autoral é que dele nós, cidadãos, podemos nos queixar. Porém, de uma associação privada, que não tem nenhuma instituição que a fiscalize, só nos resta aceitar as regras do jogo, que nem sempre conhecemos e com as quais nem sempre concordamos.

O texto da reforma segue à risca os preceitos das convenções de Berna e de Roma, das quais o país é signatário; alinha-se às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC);e está em conformidade com nosso Código Civil. O anteprojeto traz ferramentas para que outros formas de arte também recebam direitos autorais, beneficiando diretores, atores, roteiristas, dubladores, fotógrafos e coreógrafos, entre outros.

Nos parece bastante óbvio que quem não quer fiscalização tem que ser fiscalizado. Se, em lugar de negar a supervisão estatal, os gestores do sistema se dispusessem a colaborar com sua experiência de arrecadação e distribuição, estaríamos bem mais avançados no debate. Acreditamos que isso ainda seja possível. Seria o mais sábio. Que a arte nos ilumine e nos faça ir adiante na discussão.

DADO VILLA-LOBOS, DUDU FALCÃO e LEONI são músicos.