Título: Discurso e prática no combate à inflação
Autor:
Fonte: O Globo, 29/04/2011, Opinião, p. 6

A redução no ritmo de aperto na política monetária, com o ajuste da taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual, depois de duas elevações consecutivas de 0,5 ponto, reforçou a insegurança diante da efetiva capacidade de o governo Dilma Rousseff empreender um combate efetivo contra o repique de inflação.

Era inevitável, pois a decisão tomada pelo Conselho de Política Monetária (Copom), do Banco Central, na quarta-feira da semana passada, veio na sequência de algumas sinalizações preocupantes. Uma delas, ao lado de declarações de autoridades, foi o relatório trimestral de inflação do BC em que a autoridade monetária fez, de maneira clara, a defesa de um enfrentamento pouco incisivo, via juros, da alta de preços, com a contrapartida de medidas de contenção do crédito, como o aumento do IOF sobre a concessão de financiamentos. Assim, a redução da temperatura do consumo - principal causa do surto inflacionário, e não o choque de preços externos de commodities, como quer fazer crer o Ministério da Fazenda - será induzida pelo encarecimento do crediário. Na teoria, a fórmula é benigna, porque, ao elevar menos os juros, esta política economiza dinheiro público no pagamento da conta de juros da dívida, e não amplia um dos fatores de atração de divisas, causa do excessivo fortalecimento do real.

Passada a trégua do feriadão, o governo tenta afastar dúvidas sobre a firmeza na luta contra a inflação. Na terça, ao participar como presidente da sua primeira reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), Dilma Rousseff reafirmou o compromisso de campanha de controlar a inflação. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do BC, Alexandre Tombini, aproveitaram o encontro para defender a estratégia anti-inflacionária.

Divulgada ontem, a ata da última reunião do Copom anuncia um período "suficientemente prolongado" de elevação dos juros. Quer dizer, pelo menos para a maioria do conselho - cinco dos sete diretores do banco -, o melhor é continuar com ajustes menores na Selic, enquanto se espera o efeito, na plenitude, dos "macroprudenciais" apertos no crédito. A ata revela, ainda, a consciência do BC de que, desde a reunião anterior do Copom, "o cenário prospectivo para a inflação não evoluiu favoravelmente". Daí, dois votos terem sido dados na reunião pela manutenção do 0,5 ponto de alta da Selic, "para mitigar riscos de que pressões inflacionárias recentes se transmitam ao cenário prospectivo" - projetadas, portanto, para o futuro pelos mecanismos de indexação.

Este é o ponto, felizmente não minimizado por dois diretores do BC. Por sua natureza, o encarecimento do crédito não exerce efeito no consumo no prazo que a conjuntura requer. A velocidade de expansão do crédito está em queda: houve aumento de 1% em março sobre o mês anterior, e 1,3% em fevereiro, no mesmo conceito, enquanto no trimestre atingiu 2,7%. Mas as expectativas de inflação continuam elevadas, e as estimativas do mercado chegam aos 6,5%, teto da meta. Apesar da reafirmação do compromisso de campanha feita pela presidente, a estratégia é arriscada.

Uma questão em aberto é se de fato o governo fará o ajuste fiscal prometido. Esta pode ser uma ajuda essencial para o BC. O superávit primário do trimestre foi robusto. Mas ajudado pela arrecadação tributária, em constante elevação, para variar.