Título: Polônia em festa com beatificação
Autor: Magalhães-Ruether, Graça
Fonte: O Globo, 01/05/2011, O Mundo, p. 47
Milhares se reúnem em Roma e no Vaticano para homenagear João Paulo II
NO CIRCO Máximo de Roma, peregrinos fazem vigília para orar por Karol Wojtila na véspera da beatificação
O PADRE Zenon Hanas
BERLIM. Às 18h18m de 16 de outubro de 1978 ¿ hora romana ¿ o planeta, ansioso, prendeu a respiração. Da chaminé da Capela Sistina, no Vaticano, a fumaça branca indicava que, após dois dias de votações, os 110 cardeais encerrados em conclave tinham finalmente escolhido o próximo Papa. Mas quando, 27 minutos depois, o cardeal Pericle Felici apareceu no balcão central da Basílica de São Pedro para anunciar o novo chefe dos católicos, apenas uma diminuta parcela das centenas de milhões de fiéis o conhecia, e sabia pronunciar corretamente seu nome. Hoje, os compatriotas do polonês Karol Wojtila ¿ o primeiro não italiano eleito Papa em 455 anos ¿ festejam de forma especial sua beatificação sob o nome que ele escolheu para dirigir a Igreja Católica: João Paulo II.
Toda a Polônia está em clima de festa. Em Wadowice, cidade onde o Pontífice nasceu em 1920, e em Cracóvia, onde ele estudou, foi ator amador e fez carreira eclesiástica, chegando a cardeal-arcebispo, a cerimônia será acompanhada por populares em telões instalados nas ruas e nas igrejas. No Centro João Paulo II, num subúrbio de Cracóvia, será exposta a relíquia de uma ampola de sangue do Papa que foi retirado por médicos em 2005, pouco antes da sua morte.
A festa principal, no entanto, foi marcada para a próxima semana, quando os bispos poloneses voltarem de Roma ¿ para onde 80 mil compatriotas de Karol Wojtyla foram em peregrinação.
¿ As pessoas o amavam. Ele mudou o mundo ¿ reverencia a bibliotecária Magdalena Chmielewska, de 50 anos, que viajou de ônibus por 30 horas até Roma.
Espalhadas por toda a Polônia, 600 estátuas de Karol Wojtyla ¿ muitas inauguradas nos últimos dias ¿ fazem dele possivelmente o polonês mais importante de todos os tempos. Segundo o compositor Krzysztof Penderecki, que conheceu Wojtyla ainda estudante, em 1952, ele talvez só seja comparável ao compositor Frédéric Chopin.
¿ Sem ele, não teria sido possível o fim do comunismo ¿ afirma Penderecki.
Para o padre Zenon Hanas, superior da Ordem dos Palotinos e professor de Ciências da Comunicação na Universidade de Varsóvia, a atuação de João Paulo II foi, de fato, um dos fatores mais importantes para a queda da Cortina de Ferro entre 1989 e 1991. Há registros de que a liderança do Kremlin de Moscou ficou estarrecida ao saber da eleição do Pontífice, já prevendo os problemas à frente.
No meio do entusiasmo geral em torno da beatificação, são raríssimas as vozes críticas, como a de Zbigniew Mikoleko, da Universidade de Varsóvia, que diz que a ideia de Wojtyla como santo faz os poloneses adotarem uma posição bem confortável:
¿- As pessoas pecam e no final do dia rezam para Wojtyla, e com isso pensam que estão isentos de culpa.
Seminários esperam mais candidatos a padre
Com a beatificação, os seminários contam com um aumento do número de candidatos à carreira de padre, o que também aconteceu na época da eleição de Wojtyla, em 1978.
¿ Eu estava concluindo o curso secundário, em Varsóvia, quando ele foi eleito Papa. Claro que influenciou na minha decisão ¿ conta o padre Zenon Hanas.
Décadas mais tarde, o padre Hanas se encontrou com o Papa João Paulo II, no Vaticano, em outubro de 2004:
¿ Ele mal conseguia falar. Dizia algumas palavras por dois ou três minutos e depois ficava calado. Fiquei muito admirado com o altruísmo de alguém que estava moribundo e ainda investia as últimas energias para o contato com o próximo.
Na última sexta-feira o Vaticano anunciou que os restos mortais do Papa foram removidos da cripta e colocados no altar da Basílica de São Pedro, onde permanecerão até depois da beatificação para visitas dos fiéis. Depois, serão removidos para uma nova cripta embaixo do altar, perto da estátua ¿Pietá¿, de Michelangelo.
A cerimônia de beatificação será um dos maiores eventos desde o funeral de João Paulo II, em 2005. Ontem, milhares de pessoas chegaram ao Circo Máximo de Roma, arena da Roma Antiga, debaixo de chuva para a vigília que aconteceu em homenagem a João Paulo II. O destaque da noite seria o depoimento da freira francesa Marie Simon-Pierre Normand, que contaria sobre a inexplicável cura do mal de Parkinson ¿ o milagre reconhecido pelo Vaticano para a beatificação.
Oitenta e sete delegações oficiais também chegaram de todas as partes do mundo para assistir aos atos da beatificação do papa polonês. Apesar da proibição de entrada na União Europeia, acusado de violações de direitos, o presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, desembarcou ontem no país para acompanhar a cerimônia.
A missa presidida pelo Papa Bento XVI, a parte principal do evento, começa às 10h de hoje (horário de Roma), na praça de São Pedro, no Vaticano. Se for declarado santo algum dia, João Paulo II ocupará um lugar ao lado dos outros 483 que ele criou em seu longo pontificado de 26 anos
Com agências internacionais