Título: Governo prepara ações para evitar que a nova classe média volte à pobreza
Autor: Oswald, Vivian
Fonte: O Globo, 01/05/2011, Economia, p. 40

Secretaria planeja medidas de crédito e qualificação para classes C e D

BRASÍLIA. "Galinha dos ovos de ouro", na avaliação do governo, a nova classe média é um dos cinco alvos prioritários da política de longo prazo que está sendo elaborada sob a coordenação do ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Wellington Moreira Franco, e de seu braço direito, o economista Ricardo Paes de Barros. O órgão quer estudar detalhadamente o grupo, que já representa praticamente metade da população, para sugerir ações que funcionem como uma espécie de trava que garanta a sua nova posição na sociedade. A ideia é impedir a perda de poder aquisitivo dos que ascenderam às classes C e D na última década e o retorno dessa fatia da população à situação de pobreza.

Ao mesmo tempo, esta política seria a garantia de uma base sólida para o crescimento econômico sustentado. Para atingir este objetivo, a SAE deverá propor ações específicas a partir de ferramentas nas áreas de crédito, habitação, inclusão bancária, qualificação profissional e educação.

- É preciso estudar mais detalhadamente este grupo de brasileiros, criar uma trava nas políticas social e econômica para que não retornem à situação de pobreza. Queremos definir ações para criar esta trava - disse ao GLOBO Moreira Franco, ao apresentar, pela primeira vez, o plano de trabalho da Subsecretaria de Ações Estratégicas, que está a cargo do economista Paes de Barros.

Ministro cita "efeitos político-eleitorais"

A nova classe média já está no radar da oposição, o que ficou claro recentemente em um artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. No texto, publicado na revista "Interesse Nacional", FH defende que as oposições devem deixar de lado o "povão" e priorizar as novas classes médias.

Moreira Franco também analisa a nova classe média para além de seu impacto na economia. Segundo ele, esta parcela da população pode ter, do ponto de vista histórico, o mesmo significado da classe média urbana surgida nas décadas de 40 e 50 do século XX, quando o país deu um salto de qualidade:

- Isso definiu institucionalmente o tamanho e a presença do Estado brasileiro e teve efeitos político-eleitorais. Se houver esta trava, a nova classe média poderá cumprir o mesmo papel. Estamos vivendo uma nova etapa, novo padrão e qualidade de crescimento econômico.

Além da nova classe média, os outros quatro pontos básicos de atuação de sua secretaria são a erradicação da pobreza, o desenvolvimento pleno na primeira infância (até 3 anos), oportunidades para a juventude e a integração social, espacial e simbólica das favelas nas grandes cidades do país. A SAE vai formular políticas específicas para estas áreas e já vem ajudando ministérios, estados e municípios a executarem ações.

É o caso do Ministério do Desenvolvimento Social, que pediu ao órgão um estudo com simulações de novos parâmetros para um Bolsa Família 2. Com os estados de Rondônia, Maranhão e Espírito Santo, além da cidade do Rio de Janeiro, a conversa é sobre unificação de políticas sociais, com foco nas crianças, nos moldes da bem-sucedida experiência chilena do programa "Chile crece contigo".

Dados da SAE mostram que o Brasil ainda precisa de 15 anos para recuperar o tempo perdido e atingir o mesmo nível de distribuição de renda de outros países com nível de desenvolvimento semelhante, que são mais equânimes.

As políticas específicas voltadas à nova classe média ainda estão sendo elaboradas. Mas já está claro que o conjunto de ferramentas a serem usadas precisa levar em consideração a conjuntura econômica do país. Ou seja, devem ser reguladas "no conta-gotas", segundo o ministro, de modo que possam se adequar aos cenários doméstico e internacional sem prejudicar o andamento da economia.

O ministro defende a abertura do acesso permanente ao crédito e garante que isso não vai de encontro às medidas que estão sendo tomadas pela equipe econômica para conter as linhas de financiamento e esfriar a economia para combater a inflação.

- Tudo tem que ser dosado, dependendo da conjuntura. Em um cenário de taxa básica de juros Selic crescente, é preciso criar mecanismos que permitam o acesso ao crédito, como uma boa estrutura de linhas de microcrédito. É necessário ter em mente que o aumento do custo do dinheiro tem efeitos sobre o padrão de vida do segmento - disse ele.

Moreira também quer definir uma estratégia que garanta uma maior inclusão bancária e afirma que as instituições financeiras não têm se mostrado flexíveis para absorver este universo de quase 50 milhões de novos consumidores.

- Quando se põe esta quantidade de pessoas no mercado, são milhões de novas operações financeiras. A rede bancária não tem se mostrado flexível. Daí a necessidade de se usarem lotéricas e bancos postais.

A nova classe média, segundo o ministro, tem papel-chave para o desenvolvimento do país, daí a necessidade de se investir em políticas voltadas para este novo universo de consumidores, como a qualificação, para que estas pessoas possam manter seus empregos e garantir produtividade à economia.