Título: Censo de 2010 impõe reformas
Autor:
Fonte: O Globo, 01/05/2011, Opinião, p. 6

O país fotografado pelos recenseadores do IBGE no ano passado tem contornos conhecidos, já revelados nas pesquisas por amostra de domicílios feitas a cada ano pelo instituto, entre cada censo. O Brasil, em dez anos, ficou mais velho, mais urbano e continua a ostentar problemas crônicos, entre eles a lentidão no avanço da rede de saneamento.

Há reformas necessárias que têm sido empurradas para o futuro por governantes apenas preocupados com a manutenção da popularidade a curto prazo. Em nome de vitórias eleitorais, perpetuam-se gargalos que tendem a se agravar com o passar do tempo.

O Brasil chegou a 2010 com uma população de 190.755.799, vinte vezes superior à contabilizada pelo primeiro recenseamento, em 1872, e com 84,36% dela nas cidades. O auge do crescimento demográfico foi atingido nas décadas de 50 e 60. Na época, a população crescia na faixa dos 3% ao ano. Como previsto, o ritmo ficou menos intenso, e, na última década, a expansão média anual foi a mais baixa desde o primeiro censo (1,17%). Mesmo assim, nasceram 21 milhões de brasileiros no período - quase sete Uruguais, para medida de comparação.

Como acontece nas sociedades que se urbanizam e, portanto, se modernizam, a idade média da população está, há tempos, numa inexorável tendência de envelhecimento. Um dado emblemático: no ano passado, havia 13,7 milhões de crianças de até 4 anos de idade, menos que os mais de 14 milhões de pessoas com mais de 65 anos.

O fato de nascerem cada vez menos brasileiros, enquanto se amplia a faixa de idosos, sintetiza a bomba-relógio armada dentro do sistema previdenciário do país, assentado no modelo de repartição - os trabalhadores jovens entram no mercado de trabalho e contribuem para pagar os benefícios dos que se aposentam. Como cresce mais o contingente de aposentados, é uma fatalidade aritmética o INSS se tornar impossível de ser financiado pela sociedade. A não ser que passe por uma reforma para manter os contribuintes por mais tempo no mercado de trabalho. O censo impõe esta alteração, já realizada por tantos países.

Também emerge do censo a conhecida precariedade do saneamento básico: apenas 55,5% dos domicílios estão ligados à rede de esgoto. O mais grave é que a ampliação desta rede (insuficiente) ficou mais lenta. De 1991 a 2000, a proporção de domicílios atendidos pelo saneamento cresceu 12,5 pontos percentuais, enquanto, nos últimos dez anos, a ampliação caiu para 7,7 pontos.

É conhecida a relação direta entre baixos índices de saneamento básico e alta incidência de doenças, fator de pressão sobre a estrutura de saúde pública. A tomar pela lentidão nestes investimentos, apenas em 2070 haverá cobertura universal no setor. O Brasil não atingirá a meta do milênio nesta área estabelecida nas Nações Unidas para 2015.

Há indicadores no censo de uma sociedade mais aberta do ponto de vista comportamental. Mais casais compartilham o sustento da casa e parece haver menos intolerância com relação a novos arranjos familiares.

Porém, enquanto persistirem mazelas estruturais - caso do saneamento -, o descuido com as crianças - mantém-se a chaga do trabalho infantil - e uma fingida despreocupação com a Previdência, o futuro continuará incerto.