Título: Ela fica logo ali...
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 04/05/2011, O País, p. 3

Miséria extrema é encontrada de Norte a Sul, com famílias passando todo tipo de necessidades

GAMELEIRA (PE). A presidente Dilma Rousseff terá trabalho para cumprir a promessa de erradicar a miséria no país. O problema persiste em sua forma mais dramática, a que os especialistas chamam de extrema, e não é difícil vê-lo de perto. Em Gameleira, na região canavieira de Pernambuco, parte da população mora em casas de taipa, sem água tratada e saneamento. A maioria dos moradores faz de uma a duas refeições diárias, e pelo menos 50% dos pacientes que recorrem à rede pública de saúde da cidade apresentam algum grau de desnutrição.

Uma visita ao Alto de Santa Terezinha, na periferia da cidade, é suficiente para verificar a extensão do problema. A dona de casa Maria Pereira da Silva, de 47 anos, é um dos exemplos. Moradora em uma casa de taipa sem banheiro, ela teve 17 filhos, dos quais sete não resistiram. Para alimentar a família, conta com uma cesta básica doada pela prefeitura. Maria não é beneficiada pelo Bolsa Família por não ter documentos.

- Aqui em casa nada melhorou. Falta tudo, até comida - diz Maria.

Vizinho de Maria, o casal Heraldo José dos Santos, de 51 anos, e Maria José dos Santos, de 34 anos, vive drama parecido. A comida é racionada para garantir duas refeições por dia para os dois filhos menores. Heraldo tem dificuldade de encontrar emprego. Cortador de cana-de-açúcar, ele não consegue trabalho com carteira assinada desde 1982 e sobrevive com biscates, que rendem por mês R$85, somados aos R$65 do Bolsa Família.

-- Vou vivendo de biscate, pegando peixe no rio. Na safra, com sorte, ainda consigo fazer de meio a um salário mínimo por mês.

Na casa de Heraldo tem luz, mas não há água. O fogão é a lenha e somente no período de safra a família consegue comer carne. Normalmente, o café da manhã se resume a fubá. No almoço, fubá com macarrão e, no jantar, arroz branco.

Vizinha de Heraldo, Luçani Vitalina da Silva, de 27 anos e três filhos, também faz fé no período da safra açucareira para melhorar de vida. Foi assim, trabalhando por seis meses no corte de cana, que o marido conseguiu comprar uma televisão, o único aparelho elétrico da família.

Distante 99 quilômetros de Recife, Gameleira tem 27 mil habitantes e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo: 0,590. Em 2008, estudo do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco apontou que 88% da população viviam em situação de insegurança alimentar.

-- Há seis anos, a situação era ainda mais grave que a atual. Gameleira, Ribeirão e Água Preta formam o triângulo da pobreza, onde, na década de 70 do século passado, o nutricionista Nelson Chaves denunciou a formação de uma geração de nanicos, devido à desnutrição - explica Maria Auxiliadora Ferreira, nutricionista da rede municipal de saúde.

A prefeitura implantou programas de reforço nutricional nas escolas e criou o "Alimentação é Vida", de atendimento às 370 famílias mais miseráveis do município. O cadastro do Bolsa Família soma 4.500 beneficiados, e o índice de mortalidade infantil tem caído. Eram 48,6 por mil nascidos vivos em 2004, contra 16,6 em 2008 e 11,45 em 2010, segundo o Secretário de Saúde, José Tarcísio Feijó de Melo.

Mesmo assim, a pobreza ainda é visível. Na Zona Rural, o quadro também é crítico.

-- Quando acaba a safra, ninguém passa necessidade não. Passa fome mesmo. A gente planta uma mandioca e trabalha na casa de farinha. Meu marido conserta motor de moto, e assim a gente vai levando. Tenho Bolsa Família de R$68 por mês, é o que salva - diz a lavradora Cícera Maria da Silva, de 45 anos.