Título: Desarmar é ação permanente de Estado
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Fonte: O Globo, 07/05/2011, Opinião, p. 6
O governo reedita uma ideia que deu certo ao retomar a Campanha do Desarmamento. Em 2004/2005 e 2008/2009 o Ministério da Justiça promoveu movimentos nacionais para entrega voluntária e para a legalização de armas. Os resultados foram animadores, tanto pela quantidade de armamento recolhido - e posteriormente destruído - quanto pelo impacto direto na trágica estatística de homicídios do país. De acordo com dados extraídos do Mapa da Violência de 2011, houve uma redução, em média, de 18% no registro de mortes por armas de fogo durante os dois períodos de realização das campanhas. A evidência desse indicador é cristalina: a menos armas em circulação correspondem menos crimes.
Ou seja, iniciativas oficiais de estímulo ao desarmamento têm impacto direto na redução dos números da violência. Mas, mesmo com o saldo positivo das duas campanhas anteriores, os indicadores de violência em todo o país ainda estão longe de atingir patamares aceitáveis, sobretudo na rubrica dos crimes praticados por ação armada. Um levantamento do Ministério da Justiça, no ano passado, mostrou que, com 34,3 mil assassinatos por ano, o Brasil encabeça a lista mundial de mortes por armas de fogo. Do total de homicídios registrados no país, 80% são cometidos com armas compradas legalmente e desviadas para o crime.
É uma realidade que, para ser mudada, reclama ações perenes de redução de danos, uma política de Estado que ataque permanentemente as causas da violência. Entre elas, a frouxidão no controle da venda de armamento e a tibieza na fiscalização de fronteiras e estradas federais, que deixa abertas as portas do país para o tráfico internacional de armas, outra das fontes de abastecimento de arsenais do banditismo.
Por óbvio, campanhas de desarmamento não implicam levar o país a novo plebiscito sobre a venda de armas. Essa questão já foi decidida soberanamente pela sociedade, cuja vontade há que ser respeitada. É fato que uma legislação mais restritiva para regular a circulação de armamento seria um passo largo para reduzir as oportunidades que se abrem para constantes tragédias - de que a chacina que resultou no assassinato de 12 pequenos alunos numa escola de Realengo, no subúrbio do Rio, tornou-se a mais emblemática manifestação. Mas há outros caminhos para conter a proliferação desses instrumentos da morte - o mais abrangente deles, o Estatuto do Desarmamento.
Ele tem rígidos dispositivos para combater a circulação de armas fora dos meios e das condições em que são legalmente aceitas. Mas trata-se de lei que ainda não "pegou". Ela prescreve, por exemplo, atribuições da Polícia Federal na fiscalização do comércio legal de armamento. No entanto, investigações recentes mostraram que, no Rio de Janeiro e no Nordeste, boa parte de revólveres e outros artefatos apreendidos com quadrilhas do crime organizado haviam sido vendidos em balcões avalizados por alvarás. Armas que poderiam ter sido rastreadas e não o foram.
Que a nova campanha, portanto, tanto quanto convocar ao recolhimento voluntário de armamento, estimule outras ações efetivas de contenção da circulação de armamento. O país tem leis para isso. Cumpri-las, além de obrigação do poder público, é passo essencial para fazer regredir de vez os indicadores de tragédias provocadas por armas de fogo.