Título: O órgão sexual é um plus
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 05/05/2011, O País, p. 3

Relator no STF vota a favor do reconhecimento legal da união dos casais gays

OSupremo Tribunal Federal (STF) deve assegurar, em julgamento hoje, o reconhecimento legal da união entre pessoas do mesmo sexo. O primeiro voto a favor dos homossexuais foi dado ontem pelo ministro Carlos Ayres Britto, relator das duas ações que pedem aos casais homossexuais os mesmos direitos dos heterossexuais, como declaração conjunta de Imposto de Renda, pensão, partilha de bens e herança. No primeiro dia de julgamento, o ministro foi além e defendeu a adoção de crianças por casais gays. A Corte retoma a discussão hoje, com o voto de nove integrantes. A tendência do tribunal é reconhecer as uniões homoafetivas, mesmo que não haja lei no país para disciplinar o assunto.

As ações foram propostas pelo governo do Rio, em 2008, e pelo Ministério Público, em 2009. Há decisões pontuais de tribunais e juízes nos estados a favor e contra os direitos dos homossexuais. Com a decisão do STF, o entendimento será unificado.

O principal argumento dos opositores da causa é o de que a Constituição Federal, no capítulo da família, menciona apenas a relação entre homem e mulher. Para Ayres Britto, a Constituição só enfatiza o gênero feminino para extirpar o ranço no Brasil de que a mulher é inferior ao homem. E, como não há proibição explícita a qualquer outro tipo de união, os homossexuais devem receber o mesmo tratamento.

- Inexiste essa figura da subfamília, família de segunda classe ou família mais ou menos. Diferentemente do casamento civil ou da união estável, a família não se define como simples instituto ou figura de direito com sentido meramente objetivo - disse o ministro no voto, que durou quase duas horas.

Ele ressaltou que a sexualidade das pessoas é assunto privado, sobre a qual o Estado não tem o direito de impor normas.

- O órgão sexual é um plus, um bônus, um regalo da natureza. Não é um ônus, um peso, um estorvo, menos ainda uma reprimenda dos deuses - disse, completando mais tarde: - Não há nada mais privado aos indivíduos do que a prática de sua própria sexualidade. A liberdade para dispor de sua própria sexualidade insere-se no rol de liberdades do indivíduo, expressão que é de autonomia de vontade. Esse direito de explorar os potenciais da própria sexualidade tanto é exercitado no plano da intimidade quanto no da privacidade, pouco importando que o parceiro adulto seja do mesmo sexo ou não.

CNBB contesta direitos dos gays

Ayres Britto também afirmou que os heterossexuais não têm o direito de discordar da equivalência jurídica conferida aos homossexuais, pois ninguém perde com isso.

- Aqui, o reino é da igualdade absoluta, pois não se pode alegar que os heteroafetivos perdem se os homoafetivos ganham - explicou.

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, também defendeu o reconhecimento da união de homossexuais, com base em diversos princípios da Constituição: entre eles, dignidade, igualdade, vedação de discriminação odiosa e liberdade.

- O indivíduo heterossexual tem plena condição de formar sua família, seguindo as suas inclinações afetivas e sexuais. Porém, ao homossexual, a mesma possibilidade é denegada, sem qualquer justificativa aceitável. Não há dúvidas sobre a proibição constitucional de discriminações relacionadas à orientação sexual - disse.

Para o procurador, a falta de legitimidade das uniões homoafetivas gera preconceito e reduz essas pessoas a uma condição inferior à das demais.

- É um estigma que explicita a desvalorização pelo estado do modo de ser do homossexual, rebaixando-o à condição de cidadão de segunda classe. Privar os membros de uniões afetivas desses direitos atenta contra sua dignidade, expondo-os a situações de risco social injustificável, em que pode haver comprometimento a suas condições materiais mínimas para a vida digna - afirmou.

O advogado Luis Roberto Barroso fez a defesa do governo do Estado do Rio, também no mesmo sentido:

- O que vale na vida são os nossos afetos. Pede-se que este tribunal declare que qualquer maneira de amar vale a pena. Ninguém deve ser diminuído pelos afetos e por compartilhar os seus afetos com quem escolher.

Durante a sessão, o advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, também defendeu os gays. Houve também a sustentação oral de outros nove advogados. Sete a favor das propostas e dois, contra. A crítica mais ferrenha veio da Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB).

- Aqui não se trata de dizer "sou contra ou a favor alguma coisa". Aqui se trata de dizer "é ou não constitucional". A Constituição diz que a união estável só pode ser reconhecida quando do encontro entre um homem e uma mulher - disse o advogado Hugo Cysneiros, representante da CNBB. - Se a sociedade clama por outra posição, que busque o Parlamento.