Título: Recuperação a conta-gotas
Autor: Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 04/08/2009, Economia, p. 13

Queda de 13,4% na indústria no primeiro semestre é a maior desde 1975. Alta de 0,2% em junho decepciona

Última área da economia a tirar o pé do atoleiro, a indústria ¿ ao contrário de outros tempos ¿ não vai ajudar o país a crescer neste ano. Os estragos causados pela crise mundial foram tão grandes que o setor responsável por quase um terço do bolo de riquezas encolherá influenciando de maneira negativa o cálculo geral do Produto Interno Bruto (PIB). Apesar de em 2009, mês a mês, os resultados nas fábricas apontarem para recuperação, a tomada de fôlego ainda é lenta e discreta. No acumulado do primeiro semestre, o saldo é o pior da história no confronto com igual período de um ano anterior.

A maioria dos segmentos industriais tenta juntar os cacos. Dos 27 ramos pesquisados mensalmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas três registram ganhos entre janeiro e junho. O restante amarga perdas que dificilmente serão compensadas no curto prazo, ainda que os horizontes sejam favoráveis. ¿O setor industrial em 2008 estava em uma trajetória de alta. O que vemos agora é uma lenta recuperação, sem voltar aos patamares anteriores¿, explica André Macedo, economista da coordenação de indústria do IBGE.

No último trimestre do ano passado a indústria levou um tombo de 20% e é justamente isso o que tem atrapalhado o setor a se levantar. Números divulgados ontem (1)pelo IBGE mostram que em junho houve uma expansão de 0,2% em relação a maio. Os dados globais revisados pelo órgão de pesquisa indicam um avanço de 7,9% na soma dos saldos dos seis primeiros meses de 2009. Na comparação com o primeiro semestre de 2008, porém, o setor fabril registra queda acumulada 13,4% ¿ a mais baixa performance entre um primeiro semestre desde 1975, quando teve início a série histórica.

O desempenho ruim dos segmentos mais atingidos pela crise mundial é o que dificulta a retomada. A fabricação de veículos, por exemplo, tem saldo negativo de 23,6% no semestre. Já máquinas e equipamentos registram perdas de 29%. Metalurgia básica, material eletrônico e equipamentos de comunicações e outros produtos químicos também sofreram retração. Crescimento consistente foi registrado somente entre os ramos de farmacêutica, outros equipamentos de transporte e bebidas. Entre as quatro categorias de uso, o pessimismo está praticamente todo concentrado em bens de capital.

Em São Paulo, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, disse ontem que a economia dá sinais de que já saiu da recessão. Mesmo que nem todos os indicadores apontem de forma homogênea para a alta sustentada, Meirelles de forma otimista crê em recuperação a partir de 2010. Análise do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) reforça que os cenários captados pelo IBGE demonstram que a produção industrial está em processo de ajuste positivo. ¿A perspectiva é de que, no segundo semestre, a indústria entre numa trajetória de recuperação mais robusta¿, justificou a entidade.

Estoques

Os estoques estão zerados e as indústrias começam a receber pedidos de encomendas do comércio. Ainda que o varejo ajude, o consumo interno não será suficiente para anular todas as notícias ruins e balanços negativos verificados pelas empresas até junho. Analistas apostam em resultados mensais no azul, mas ainda discretos. Douglas Uemura, economista da consultoria LCA, adverte que a radiografia feita pelo IBGE demonstra que a retomada está ocorrendo aos poucos. ¿Os resultados do semestre foram decepcionantes. Para os últimos seis meses, espero um crescimento mais forte¿, justifica. Ariadne Vitoriano, analista da consultoria Tendências, diz que com a melhora do nível de emprego e com o empresariado mais confiante, a expectativa é que ocorra já nos próximos meses uma recuperação mais acentuada. A especialista ressalta, no entanto, que enquanto o mercado externo não reagir, dificilmente as indústrias voltarão a produzir para estocar.

1 - NA PONTA DO LÁPIS A Pesquisa Industrial Mensal Produção Física feita pelo IBGE coleta e produz mensalmente indicadores de curto prazo junto às indústrias extrativa e de transformação. Em 2004, o órgão reformulou parte da pesquisa, criando novas classificações e ampliando o espectro do levantamento. O trabalho é referência para empresas e governo. Com base nas estatísticas é possível construir cenários gerais da indústria e prever comportamentos dos setores que dependem dela.