Título: Empresas ficam com 80% do crédito do BNDES para obras fora do Brasil
Autor: Nogueira, Danielle; Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 08/05/2011, Economia, p. 30

Em 10 anos, banco financiou R$5 bi em projetos de infraestrutura no exterior

Danielle Nogueira, Gilberto Scofield Jr. e Ronaldo D"Ercole

RIO e SÃO PAULO. As empreiteiras brasileiras também mantêm uma estreita relação com o Estado para tocar seus projetos fora do Brasil. Entre 2001 e 2010, 80% dos R$5 bilhões desembolsados pelo BNDES em linhas de crédito para projetos de infraestrutura no exterior foram destinados às grandes construtoras, entre elas Odebrecht e Andrade Gutierrez. Os projetos vão de hidrelétricas a metrô.

Os financiamentos são enquadrados nas linhas voltadas à exportação de bens e serviços. Nessas operações, as construtoras recebem os recursos em reais, mas o dinheiro é devolvido ao banco, em dólares, pela companhia ou governo - oficialmente titular do empréstimo - que contratou a empreiteira nacional. O programa de fomento, que ganhou força no governo Lula, se enquadra na política do governo petista de aproximação com América Latina e África.

O mais recente crédito aprovado nessa linha, há dez dias, foi para a construção do Aeroporto de Nacala, na região centro-norte de Moçambique, obra a cargo da Odebrecht e que ficará pronta em 2013. O valor do investimento é de US$112 milhões, dos quais US$80 milhões serão financiados pelo BNDES. É a primeira linha de crédito do banco para obras de infraestrutura em Moçambique.

Para o superintendente da Odebrecht em Moçambique, o BNDES é fundamental na estratégia da empresa para a África para barra a concorrência chinesa no continente:

- Nossos maiores competidores são as construtoras chinesas, que têm apoio financeiro oficial. Com o BNDES temos igualdade de condições.

Investida no exterior começou nos anos 80

A Andrade Gutierrez também já foi beneficiada com a linha de fomento. Em 2006, o BNDES aprovou financiamento para obras de duas hidrelétricas na República Dominicana, uma liderada pela Odebrecht e outra pela Andrade. O financiamento total foi de US$102 milhões. A expansão do metrô de Caracas, de responsabilidade da Odebrecht, também teve ajuda do banco. As duas empresas iniciaram seu processo de internacionalização no fim dos anos 70 e início dos 80.

- Era a década perdida. As empresas tinham que buscar novos mercados - lembra Otávio Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez, hoje presente em mais de 30 países.

A estratégia das companhias deu tão certo que em 2010, dos R$16,6 bilhões em obras feitas pela Odebrecht Engenharia e Construção, R$9,7 bilhões (58%) vieram de projetos no exterior. Hoje, a empresa está em 20 países. Além disso, o maior faturamento da Odebrecht vem da área petroquímica através da Braskem, que tem 29 fábricas em cinco estados brasileiros e nos EUA, atuando como um empresa global. Tanto que, dos R$31,5 bilhões faturados em 2010, R$7,8 bilhões vieram do exterior.

A Camargo Corrêa também vem ampliando sua presença internacional. Em 2010, fez dois importantes negócios fora do Brasil. Em fevereiro, numa disputa que envolveu a Votorantim e a CSN, a empresa arrematou 33% do capital da Cimpor, tornando-se uma das dez maiores cimenteiras do mundo. Noutra frente, fechou contrato de US$2,2 bilhões com o governo da Venezuela para obras de de saneamento na Bacia do Rio Tuy, região próxima a Caracas. Foi o maior negócio da empresa naquele país, viabilizado porque o governo brasileiro atendeu a uma exigência do presidente Hugo Chávez, de que o BNDES financiasse parte do projeto. O banco comprometeu-se a entrar com 60% do valor do empreendimento: US$1,3 bilhão.