Título: De hidrelétricas a refinarias e estádios, tá tudo dominado
Autor: Scofield Jr., Gilberto; D"Ercole, Ronaldo
Fonte: O Globo, 08/05/2011, Economia, p. 29

Quatro empreiteiras, Odebrecht, Andrade, Camargo e Queiroz Galvão, concentram R$138 bi em obras no país

Gilberto Scofield Jr., Ronaldo D"Ercole e Danielle Nogueira

Adecisão do governo brasileiro de entregar para a iniciativa privada a administração dos principais aeroportos do país vem movimentando os corredores das quatro maiores empreiteiras nacionais: Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Odebrecht e Queiroz Galvão. Trata-se de novo e promissor braço de negócios para as quatro gigantes que, ao longo dos últimos anos, turbinadas por uma quantidade de investimentos no país vista somente na época do "milagre econômico", na década de 70, deixaram de ser apenas construtoras e se transformaram em verdadeiros conglomerados de infraestrutura, atuando em áreas que vão de petróleo e energia elétrica a telecomunicações e agronegócio. As cifras impressionam. As principais obras em andamento hoje no Brasil, ou já contratadas, nas quais "as quatro irmãs" estão envolvidas, somam R$138,7 bilhões, segundo levantamento feito pelo GLOBO.

Boa parte das obras integram o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como saneamento, reurbanização de favelas e hidrelétricas, entre elas Belo Monte (PA) e as usinas no Rio Madeira (RO). Na carteira das empreiteiras também estão reformas dos estádios para a Copa do Mundo de 2014, como o Maracanã. Mas a concorrência vem aumentando. Ano passado, segundo o Portal Transparência da Controladoria Geral da União, o governo federal gastou R$16,1 bilhões com obras, um orçamento dividido por 5.709 construtoras. Deste total, as quatro grandes ficaram com R$988 milhões. No acumulado de 2004 a 2010, para um total de gasto federal de R$49 bilhões, elas ficaram com R$3,5 bilhões.

Ainda assim, o setor de construção é muito concentrado. Ranking com as 50 maiores construtoras do Brasil elaborado pela revista "O Empreiteiro", considerado referência no setor, mostra que as receitas das "quatro irmãs" com engenharia e construção somavam R$18,7 bilhões em 2009, ou 38% do faturamento do total. Quem encabeça a lista é a Construtora Norberto Odebrecht (R$5,292 bilhões), quase empatada com a Camargo Corrêa (R$5,264 bilhões). Em seguida vêm a Construtora Andrade Gutierrez (R$4,2 bilhões) e a Queiroz Galvão (R$4 bilhões).

Forte dependência de contrato público

Embora as empreiteiras aleguem que hoje dependem muito menos de contratos públicos (governos federal, estadual, municipal e estatais), o ranking revela ainda uma forte dependência: 62% das receitas da Odebrecht, 35% da Camargo, 72% da Andrade e 100% no caso da Queiroz Galvão vêm de obras do setor público.

Otávio Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez S.A., holding que controla o grupo, contesta os números, apesar de o ranking ser feito com base em dados fornecidos pelas próprias empresas, e ainda auditado pela consultoria Deloitte. Segundo ele, a construtora tem buscado reduzir a dependência de obras públicas nos últimos anos e, hoje, a Vale é sua principal cliente.

O fato é que, ao concentrar os contratos das grandes obras, as "quatro irmãs" ditam o ritmo do desenvolvimento do país e determinam quem fica dentro ou fora dos projetos, já que subcontratam empresas para executar diferentes etapas das obras. Para o coordenador do núcleo de logística e infraestrutura da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende, a concentração acontece porque grandes obras de infraestrura demandam empresas com fôlego financeiro e estas são poucas no Brasil. Ele lembra que a elevada concentração no setor se repete em outros países. Nos EUA, por exemplo, 60% das grandes obras estão nas mãos de menos de 10% das empresas, segundo ele. O que é preocupante, acrescenta, é a falta de transparência.

- O que precisamos ter é uma forte regulamentação e fiscalização para evitar superfaturamentos.

Sergio Lazzarini, professor de organização e Estratégia do Instituto de Ensino e Pesquisa Insper, autor do livro "Capitalismo de laços: os donos do Brasil e suas conexões", observa que as empreiteiras possuem relações estreitas com o governo que beneficiam a multiplicação de seus negócios. Além de fazerem doações de campanha que garantem a contrapartida em obras após as eleições, as construtoras se beneficiam de laços com os maiores indutores de investimento no setor público, que são os fundos de pensão ligados a estatais - como Previ, Petros e Funcef - e bancos de investimento público, como BNDES e Banco do Brasil.

- As empreiteiras possuem mais conexões políticas porque muitos de seus investimentos e negócios são em áreas reguladas pelo governo. Além disso, há uma ação característica de governos nos processos de privatização, licitações e concessões que é o uso dos fundos e de bancos para a montagem de consórcios com as empreiteiras e outros grupos privados - diz ele.

A Abramat, associação que reúne as empresas de material de construção, reconhece o poder de barganha dos grandes grupos, mas frisa que há dois lados da moeda nessa situação. Se por um lado elas têm maior poder nas negociações de preços, o que pode sufocar pequenas empresas em tempos de poucas obras, por outro lado, elas são o motor do crescimento da cadeia produtiva, ao levar suas fornecedoras a reboque.

- A concentração é inevitável. Mas se a infraestrutura cresce, todos saem ganhando - diz o presidente da Abramat, Melvyn Fox.

Aeroporto será a próxima parada

A disputa pelos projetos estratégicos de modernização da infraestrutura do país, como a privatização dos aeroportos, promete ser acirrada entre os grandes grupos. Desde 2008, por exemplo, a Camargo Corrêa é sócia majoritária da A-Port, joint-venture com a suíça Zürich AG e a chilena Gestión e Ingeniería, especializada em infraestrutura e gestão aeroportuária. Hoje, a A-Port tem sob sua gestão nove aeroportos: três chilenos, um na Colômbia, quatro em Honduras e um nas Antilhas Holandesas.

A Odebrecht também se prepara para atuar no setor com base na experiência que possui depois de anos de experiência com obras de expansão e modernização do aeroporto de Miami. E a Andrade Gutierrez participa de consórcios que operam os aeroportos de Quito (Equador) e San José (Costa Rica). Com a experiência no exterior, também quer participar da privatização dos aeroportos brasileiros.

- Temos interesse em ao menos seis aeroportos - diz Azevedo.

Outro setor de grande potencial de expansão e sobre o qual todas as atenções das grandes empreiteiras estão voltadas é o de petróleo, que começa a ganhar peso nas suas receitas. Camargo Corrêa e Queiroz Galvão, por exemplo, são sócias desde 2008 da coreana Samsung Heavy Industries no Estaleiro Atlântico Sul (EAS), situado no complexo de Suape, em Pernambuco. Em fevereiro, o EAS ganhou a disputa para produção de sete sondas para a Petrobras, um negócio de US$4,63 bilhões. Se somados aos 22 navios para a Transpetro e à plataforma P-55 que já tinha em carteira, os contratos do EAS com a Petrobras já ultrapassam a cifra de US$8 bilhões. Nada mal para um empreendimento que demandou investimentos de US$2 bilhões, dos quais US$1,3 bilhão financiados com recursos do Fundo da Marinha Mercante, via BNDES.

Eis o dilema das grandes empreiteiras. Ao focar seus novos negócios em áreas fortemente reguladas pelo governo ou inteiramente dependentes de investimentos públicos, como petróleo e aeroportos, o distanciamento do setor público é tarefa cada vez mais difícil.

EMPRESAS FICAM COM 80% DO CRÉDITO DO BNDES PARA OBRAS FORA DO BRASIL, na página 30