Título: Binacionais operam quase sem fiscalização
Autor: Fabrini, Fábio
Fonte: O Globo, 08/05/2011, O País, p. 17

TCU, CGU e Ministério Público ficam de mãos atadas porque empreendimentos envolvem países estrangeiros

BRASÍLIA. Com movimentações bilionárias de dinheiro público, as duas empresas binacionais com participação do Brasil - Itaipu e Alcântara Cyclone Space - operam blindadas ao controle externo. Apesar das denúncias que lhes chegam, o Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria Geral da União (CGU) e o Ministério Público Federal (MPF) pouco ou nada podem fazer para fiscalizá-las. Motivo: órgãos nacionais não têm autorização para farejar irregularidades em contas e atividades de empreendimentos que envolvem países estrangeiros.

No ano passado, as turbinas de Itaipu, cuja administração é rachada meio a meio com o Paraguai, geraram um faturamento de R$6,1 bilhões. O tratado internacional que viabilizou a usina, firmado em 1973 com o país vizinho, sequer menciona quem e como será feito o controle do sobre as operações. O mesmo vale para Alcântara Cyclone, parceria com a Ucrânia para o lançamento do primeiro foguete brasileiro. Nos termos do acordo, ninguém faz as vezes de xerife dos negócios. A instalação de um centro de lançamento no Maranhão, infraestrutura adjacente e demais investimentos podem custar R$1 bilhão.

As iniciativas para levar adiante a apuração de denúncias têm sido interpretadas como afronta à soberania dos países parceiros. Como o capital não é 100% nacional, elas não integram a administração direta ou indireta do país. Há seis anos, após reclamação do Paraguai, uma liminar do ministro Marco Aurélio Mello, do STF, suspendeu sete ações civis contra Itaipu. O processo permanece sem decisão definitiva.

O MPF alega ter dificuldades para atuar. A CGU argumenta que nada pode fazer, já que as empresas são de gestão compartilhada, regidas pelo direito internacional. Na prática, não são controladas pela União. No TCU, processos para apurar denúncias estão em compasso de espera desde 2009, quando, após voto do ministro Raimundo Carreiro, num caso envolvendo Itaipu, o plenário decidiu reavaliar sua doutrina sobre o assunto.

A Constituição de 1988 deu ao tribunal poder para fiscalizar o dinheiro brasileiro empregado nas empresas binacionais, nos termos dos tratados que as constituíram. Como esses acordos não previam como a fiscalização seria feita, o órgão entendia que o trabalho não era de sua competência. Mas um parecer do procurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Furtado, relativizou a questão e influenciou o plenário. Pela análise, até que se resolva a omissão dos tratados, vale o que está escrito na Carta Magna e os auditores podem fazer até inspeções nas binacionais.

O plenário do TCU decidiu ouvir o governo - que se posicionou por mudanças, no caso de Itaipu, só no ano previsto para a revisão do tratado (2023). Além disso, encomendou à sua área técnica estudos sobre as diferentes interpretações jurídicas do caso, bem como da viabilidade das fiscalizações. O relatório fundamentará uma nova decisão dos ministros a respeito. Para o auditor Paulo Pereira, um dos responsáveis pelo trabalho, uma das dificuldades para cumprir a Constituição é que, pelo modelo de gestão da binacional, fica difícil separar o dinheiro empregado pelo Brasil do estrangeiro:

- São contas únicas.