Título: Indexação ameaça estratégia do governo
Autor:
Fonte: O Globo, 08/05/2011, Opinião, p. 6

O estilo light de combate à inflação, lastreado num manejo menos intenso dos juros, conjugado com medidas "macroprudenciais" de aperto de crédito, não tem surtido efeito na dimensão esperada pelos analistas mais preocupados - e com razão - com o descontrole dos preços. E com a bastante provável impossibilidade de, como compromete o governo, a inflação ser levada para o centro da meta (4,5%) no final do ano que vem.

Não é por alguma estranha perversidade que se defendem ações mais duras contra qualquer sinal de ressurgimento das pressões inflacionárias. A explicação está na existência na economia brasileira de mecanismos de indexação, muito eficientes em jogar para o futuro a inflação presente. Persiste um entulho indexador herdado do longo período de total descontrole de preços, quando o país só funcionava (mal) sob o doping da correção monetária. Até hoje, passados 17 anos do início do processo de estabilização da economia, com o Plano Real, em 1994, persiste o risco de um surto de inflação como o atual - o mais grave desde o de 2002/3 - acelerar estes mecanismos.

Por esta razão, na última reunião do Conselho de Política Monetária (Copom), do Banco Central, houve dois votos, entre os sete do colegiado, a favor de um ajuste de 0,5 ponto nos juros básicos (Selic), como nas duas rodadas anteriores do Conselho, contrários, portanto, ao arrefecimento da política monetária com o aumento de apenas 0,25 ponto da taxa, posição vencedora. Em linguagem cifrada, a ata desta última reunião, realizada no final de abril, registra o temor com a reindexação da economia dos que foram voto vencido. O risco existe e não é pequeno. A inflação anual ultrapassou em abril o teto da meta (6,5%) em 0,01 ponto, e há quem preveja que, em dezembro, ela continuará acima dos 5,6% previstos pelo BC .

O problema está em que já existe contratado para 2012 um aumento do salário mínimo na faixa dos 14%, de acordo com a fórmula de indexação pactuada entre governo federal e sindicatos. Será um impulso razoável a uma inflação que talvez não esteja tão baixa quanto o BC espera, ou esperava. Só de gastos de recursos públicos, estima-se que o próximo SM injetará R$22,8 bilhões na veia do consumo, hoje ainda aquecido. Até lá, no segundo semestre, categorias de sindicatos fortes - bancários, petroleiros, metalúrgicos - terão suas datas-base. E deverão ter como referência uma inflação anualizada acima do teto da meta, na faixa dos 7%. Não se deve relevar, também, o fato de este movimento sindical controlar parte do governo.

O próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, calcula que o aparato de indexação brasileiro faz com que se comece o ano com uma inflação garantida de 3%. Resta ao BC e ao Ministério da Fazenda trabalharem para que a média dos preços efetivamente livres subam apenas 1,5%, para que a inflação fique no centro da meta de 4,5%. Não é fácil.Todas as indicações são da impossibilidade de os índices convergirem para 4,5% em dezembro do ano que vem.

Em nome da preservação da "galinha dos ovos de ouro" - o crescimento -, pratica-se um arriscado convívio com níveis altos de inflação, a ser jogada para a frente pela indexação de contratos (aluguéis, contas de serviços públicos, etc.). Ao contrário do que alguns pensam - não no BC -, o grande predador, não de uma galinha, mas de toda a granja, é a inflação.