Título: Personagens esquecidos
Autor: Rothenburg, Denise; Pariz, Tiago
Fonte: Correio Braziliense, 06/08/2009, Política, p. 2

Presidente do Senado divide com antecessores responsabilidades por atos e diz não se lembrar da mãe do neto dele

Sarney durante o discurso de ontem: plateia atenta ao senador

O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), negou saber quem é Rosângela Teresinha Gonçalves. Servidora do gabinete de Epitácio Cafeteira (PTB-MA), Rosângela é mãe de João Fernando Gonçalves Michels Sarney, neto do peemedebista. O rapaz deixou a Casa em outubro do ano passado, exonerado por ato secreto. A mãe de João Fernando assumiu a vaga e continua lotada no Senado. Ainda assim, durante o discurso em que tentou angariar apoio necessário à manutenção do cargo, Sarney disse que não a conhece.

O trecho é um exemplo da dificuldade enfrentada pelo parlamentar para se desvencilhar da pilha de denúncias que coleciona há dois meses por mais que seus aliados apostem que as representações contra ele enviadas ao Conselho de Ética sejam todas enterradas (leia mais na página 4). Recentemente, pouco antes do recesso, durante cerimônia de casamento, ele posou para fotos ao lado do noivo Rodrigo Cruz, genro do ex-diretor-geral Agaciel Maia. Ontem, disse aos demais senadores que também não o conhecia.

Divisão Outra estratégia traçada por Sarney foi dividir com seus antecessores, alguns deles presentes em plenário ¿ caso de Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), Tião Viana (PT-AC) e Renan Calheiros (PMDB-AL) ¿, os problemas administrativos do Senado. O peemedebista falou, por exemplo, que ¿desconhecia que o Senado tinha 170 diretorias¿ e justificou que elas não foram criadas por ele. Na fala seguinte, no entanto, o atual presidente contabilizou 23 diretorias criadas durante sua gestão de 1995 a 1996.

Ele também se baseou em números para tentar se desgrudar do escândalo dos atos secretos. De acordo com os dados, coube ao aliado Renan, o principal estrategista na defesa do maranhense, a maior fatia dos documentos que ficaram sem publicidade ¿ 260 em três anos. E reforçou que os atos secretos não eram assinados pelo presidente, mas pelo primeiro-secretário, pelo diretor-geral e por outros diretores.

Sarney posou de vítima. Repetiu a cantilena de que é alvo de uma campanha difamatória, que envolveria inclusive a falsificação de investigações policiais que rastrearam relações suspeitas entre empresários denunciados à Justiça por fraudes em licitações e alguns de seus familiares. E fez um alerta: ¿Hoje é comigo, mas, amanhã, pode ser feito com qualquer um dos senhores¿, disse.

Ditos e não ditos Dida Sampaio/AE - 10/6/09

Excesso de diretorias ¿Desconhecia ¿ e eu acho que também todo o Senado ¿ que o Senado tinha 170 diretorias. Elas não foram criadas por mim! É um número inaceitável.¿

O peemedebista diz que herdou o problema, mas durante o discurso informou que em sua gestão de 1995 a 1996 foram criadas 23 diretorias.

Atos secretos ¿Nenhum de nós, presidentes (do Senado), sabia da não publicação desses atos.¿

Sarney apresentou números para atribuir a maioria dos atos secretos a alguns de seus antecessores, como Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) e Renan Calheiros (PMDB-AL). Aliás, coube ao aliado Renan a maior fatia dos documentos que ficaram sem publicidade. Ainda assim, disse que os atos secretos não eram assinados pelo presidente, mas pelo primeiro secretário, pelo diretor-geral e por outros diretores.

Nepotismo ¿Rosângela Teresinha Gonçalves, funcionária da Diretoria-Geral. Não tenho nenhum laço de parentesco, nem sei de quem se trata.¿

Rosângela Teresinha Gonçalves é mãe de João Fernando Gonçalves Michels Sarney, neto do presidente do Senado e ex-funcionário do gabinete de Epitácio Cafeteira (PTB-MA). Assumiu o lugar de João Fernando quando o rapaz deixou a Casa por causa da súmula antinepotismo do Supremo Tribunal Federal (STF). A exoneração do neto de Sarney ocorreu em outubro passado, por meio de ato secreto. O peemedebista usou discurso semelhante para outras pessoas, como Rodrigo Cruz, recém-casado com a filha do ex-diretor-geral Agaciel Maia. Apesar de ter participado da cerimônia e ter posado para fotos ao lado dos noivos, Sarney alegou que não o conhecia. Crédito consignado

¿Meu neto nunca teve relação com o Senado.¿ Assim Sarney começou sua explicação sobre os negócios de José Adriano Cordeiro Sarney, um de seus netos, sócio da Sarcris, empresa que intermediava operações de crédito consignado na Casa. Sarney explicou que a relação do rapaz era com o banco HSBC e negou tráfico de influência ao argumentar que em 2005, quando José Adriano operava o produto, ele não presidia o Senado. Sarney era senador com o currículo de ex-presidente em duas ocasiões.

Auxílio-moradia ¿O auxílio-moradia é legal, é direito dos senadores. Muitos dos senadores recebem auxílio-moradia, mas, por uma questão própria, pessoal, eu não quis aceitar auxílio-moradia. Depositaram em minha conta e eu mandei estornar esses depósitos. Mandei estornar, não estava indenizando.¿

Sarney argumentou que outros parlamentares também recebem auxílio-moradia, no valor de R$ 3,8 mil mensais, mesmo tendo residência fixa em Brasília. Disse que mandou estornar o pagamento, o que ocorreu após a revelação do caso pela imprensa.