Título: Ayres Britto elogia padre Gilvander por sua defesa da união homoafetiva
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 14/05/2011, O País, p. 4

Ministro do STF e membros da comunidade gay realçam coragem do religioso

BRASÍLIA. Relator do processo que reconheceu a união estável de casais gays, o ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), elogiou a coragem do padre mineiro Gilvander Moreira, da Ordem dos Carmelitas, em falar sobre o tema polêmico. O padre enalteceu a decisão do STF, defendeu a constituição de famílias homossexuais e afirmou que parte da sociedade é preconceituosa, intolerante, hipócrita e cínica. Ayres Britto considerou a postura de Gilvander atual e moderna:

¿ Quanto ao conteúdo humano, contemporâneo e mentalmente arejado da opinião do padre, só tenho que me congratular com ele e parabenizá-lo pela coragem e lucidez.

Entre os ministros do STF, há uma preocupação em tirar da decisão do tribunal qualquer conotação religiosa e até humanística, classificando-a como técnica e constitucional. A decisão, segundo Ayres Britto, seguiu preceitos técnicos:

¿ O Supremo fugiu de uma interpretação meramente literal. E o fez pela unanimidade de seus membros. Até porque a interpretação meramente literal é muitas vezes o modo mais eficaz de tornar a Constituição ineficaz.

O ministro Marco Aurélio reconheceu que a manifestação do padre pode ampliar ainda mais a discussão sobre o tema:

¿ É uma voz que parte do segmento religioso. Portanto, não deixa de ter uma ressonância muito grande.

Há receio de que carmelita sofra sanções da Igreja

O posicionamento do padre da Ordem dos Carmelitas foi festejado por representantes da comunidade gay e até por setores ligados ao catolicismo no país. Para todos, Gilvander teve coragem ao enfrentar a Igreja, mostrando coerência com o que pregam as doutrinas cristãs. Ao mesmo tempo, a avaliação é que, infelizmente, Gilvander deverá sofrer sanções que podem inibir outros religiosos progressistas de se manifestar publicamente sobre questões polêmicas.

O ativista Beto de Jesus, do Instituto Edson Neris, que trata de assuntos ligados aos homossexuais, disse que aplaude de pé as declarações:

¿ Tiro o chapéu e aplaudo de pé porque ele teve compromisso não apenas com as estruturas hierárquicas da Igreja, mas com o Evangelho.

Segundo Jesus, são muitos os padres, freiras, pastores e outros envolvidos com a Igreja, católica ou não, a favor do movimento gay. Ele lamentou as sanções que provavelmente Gilvander receberá da Igreja.

¿ Existem milhões de exemplos de quanto a igreja errou em diversos assuntos, com represálias e perseguições contra pessoas que se manifestaram contra a hierarquia. Ele (Gilvander) deve sofrer sanções, mas mostrou a gays e lésbicas católicos que há vozes dissonantes na igreja.

Para uma das coordenadoras do Grupo de Católicas pelo Direito de Decidir, Valéria Melki Busin, a posição do padre mostra que há posicionamentos individuais que confrontam a ¿ditadura religiosa¿.

¿ Ser católico não é ser como o Papa, porque há várias doutrinas católicas. O catolicismo não é essa coisa monolítica como muitos pensam ¿ diz ela, para quem a manifestação pública do padre Gilvander é também excepcional. Assim como Jesus, Valéria também acredita que sanções deverão ser aplicadas a ele.

O presidente da ONG Casarão Brasil, Douglas Drumond, também considerou inaceitáveis alguns dogmas impostos pela Igreja, os quais, diz ele, ferem princípios do Evangelho: ¿ A Igreja precisa abrir espaço para todos os tipos de pensamento, é isso que ajuda a fazer uma sociedade mais justa e democrática.