Título: Terremoto na francesa
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 16/05/2011, O Mundo, p. 21
Prisão de diretor do FMI por abuso sexual provoca choque na França e apreensão na Europa
POLICIAIS DE Nova York chegam ao Sofitel, em Manhattan, onde Strauss-Kahn estava hospedado: risco de até 20 anos de prisão por tentativa de estupro
Oindiciamento do diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, por agressão sexual a uma camareira de hotel em Nova York não apenas provocou uma onda de choque na França, embaralhando a corrida eleitoral do ano que vem, como causou apreensão nos países da zona do euro mais afetados pela crise econômica. DSK, como é conhecido na França, é um dos políticos mais famosos do país e até ontem liderava as sondagens como o socialista mais bem posicionado para derrubar o presidente Nicolas Sarkozy nas eleições de 2012. Além disso, ele é a imagem da França numa organização-chave no combate da crise mundial, o FMI, e grande defensor da ajuda da instituição a economias europeias debilitadas, como Grécia e Portugal.
DSK foi acusado de agredir sexualmente uma camareira de 32 anos, que trabalha num Sofitel de Manhattan. Segundo sua versão, ela entrou no quarto de DSK, que saiu nu do banheiro, agarrou-a, jogou-a na cama e tentou obrigá-la a fazer sexo oral. Ela teria fugido, e ele teria deixado o quarto às pressas logo em seguida, esquecendo objetos pessoais, como o celular. Ele foi retirado pela polícia de dentro de um avião no sábado, e passou a noite numa unidade especial do Harlem. Indiciado formalmente por agressão sexual, sequestro e tentativa de estupro ¿ o que poderia lhe render até 20 anos de prisão ¿, Strauss-Kahn contratou o advogado Benjamin Brafman, famoso por defender celebridades como o cantor Michael Jackson. A camareira reconheceu Strauss-Kahn formalmente na delegacia. Segundo Brafman, seu cliente iria se declarar inocente numa audiência marcada para a noite passada.
Incrédulos, muitos franceses amanheceram ontem diante da televisão. Na França, os casos extraconjugais dos políticos são quase uma cultura: todo mundo sabe quem engana quem, mas nenhum jornal fala sobre isso. A acusação contra DSK, entretanto, chocou. Nos bares, só se falava nisso. Martine Aubry, secretária-geral do Partido Socialista (PS) ¿ o partido de Strauss-Kahn e o maior de oposição na França ¿ estava jantando em Lille quando lhe avisaram da prisão de DSK.
¿ As notícias vieram como um trovão. Estou estupefata ¿ disse Aubry, pedindo que o partido se mantenha unido e que os franceses ¿respeitem o pressuposto de inocência¿.
A grande surpresa foi a reação da jornalista Anne Sinclair, mulher de DSK. Em 2008, ela já havia sido humilhada publicamente e perdoado o marido por conta de um caso extraconjugal com uma funcionária. Ontem à tarde, Sinclair partiu mais uma vez em defesa do marido, dizendo que não acreditava nas acusações contra ele.
O número 2 do FMI, John Lipsky, assumiu temporariamente o comando da instituição, durante a ausência de Strauss-Kahn. Com a prisão, DSK não poderá comparecer a um encontro crucial com ministros da zona do euro hoje em Bruxelas, onde a crise da dívida da Grécia seria abordada. Sua possível renúncia ao cargo pode afetar as frágeis economias de alguns países europeus, já que DSK tem defendido com especial interesse a ajuda à região. Há o risco ainda de que o FMI encontre um chefe menos inclinado em financiar economias europeias ¿ sobretudo se o novo nome vier de uma economia emergente.
¿ Isso adiciona incerteza à perspectiva de uma resolução rápida para a crise ¿ disse Louka Katseli, ministro do Trabalho grego.
Para Marine Le Pen, acusação não surpreende
Prudência, decência e pressuposto de inocência foram palavras repetidas durante todo o dia de ontem por vários políticos franceses ¿ da esquerda à direita. O deputado socialista Pierra Moscovici, amigo de DSK, disse:
¿ Conheço Dominique Strauss-Kahn há 30 anos. Não o imagino forçar as coisas. Strauss-Kahn comparecerá ao encontro (das eleições presidenciais) de 2012.
Mas o otimismo de Moscovici não fazia eco entre figuras eminentes do PS, como o economista Jacques Attali, para quem o escândalo põe fim à carreira de DSK.
¿ Mesmo se ele se declarar inocente, provavelmente não terá condições de ser candidato socialista à Presidência e não será capaz de permanecer no FMI ¿ disse Attali.
O governo francês silenciou.
A reação mais violenta partiu de Marine Le Pen, a nova líder do partido de extrema-direita Frente Nacional. Referindo-se à fama de mulherengo de Strauss-Kahn, Marine atacou:
¿ Todo mundo fala. Nos jantares em Paris, há rumores persistentes sobre as atitudes desapropriadas de DSK em relação às mulheres. O que aconteceu não me surpreende.
Alguns especulam sobre a possibilidade de um golpe para minar sua candidatura à Presidência. Seja qual for o resultado do julgamento nos EUA, uma coisa é certa: a prisão queimou suas chances de sair candidato pelo Partido Socialista e vai mudar o tabuleiro politico francês.
COLABORARAM: Fernando Eichenberg, de Washington, e Fernanda Godoy, de Nova York
DSK, mulherengo e extravagante
Político é considerado brilhante no trabalho, mas estilo de vida causa polêmica
STRAUSS-KAHN E sua mulher, a jornalista Anne Sinclair: caso com subordinada
PARIS. A prisão em Nova York num avião da Air France encerra da pior maneira possível um mês difícil para o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, de 62 anos. Apesar de, até o episódio de sábado, figurar no topo da preferência dos franceses para suceder o presidente Nicolas Sarkozy ano que vem, Strauss-Kahn vem sendo alvo de críticas e reportagens na França por seu estilo de vida extravagante ¿ com passeios num Porsche Panamera de 100 mil, mansões no Marrocos e apartamentos de luxo em bairros exclusivos de Paris ¿ considerado pouco condizente com a imagem que um dirigente do Partido Socialista deveria passar.
Ainda assim, boa parte das pessoas que trabalharam com ele, tanto na política como no meio acadêmico (DSK foi um respeitado professor de economia de universidades parisienses), não poupa elogios a Strauss-Kahn. Elas destacam sua ¿capacidade brilhante de trabalhar¿, e sua maneira de ¿seduzir com palavras¿ qualquer interlocutor. Um diplomata americano foi ainda mais longe e disse que DSK, como é conhecido na França, ¿provavelmente é o mais capacitado dos dirigentes socialistas franceses¿.
Mas do livro ¿DSK, les secrets d¿un présidentiable¿ (¿Os segredos de um candidato à Presidência¿), escrito por uma ex-colaboradora que usa o pseudônimo de Cassandra, no ano passado, surge uma outra imagem de DSK: ¿ambicioso, manipulador, mentiroso, patológico, perseguidor de saias e extremamente inteligente¿. Segundo a obra, antes de assumir o cargo no FMI, Strauss-Kahn recebeu o seguinte conselho de Sarkozy: ¿Tenha cuidado: ali não se brinca. Evite pegar um elevador só com uma estagiária, já sabe. A França não pode se permitir um escândalo¿.
Antes mesmo da acusação feita pela camareira, o suposto conselho de Sarkozy parece ter sido premonitório. Em outubro de 2008, seu cargo no FMI ficou ameaçado quando foi revelado que mantinha um caso com uma funcionária, Piroska Nagy ¿ que o acusou de ter abusado do poder para se aproveitar dela. ¿É um tipo de homem que não pode trabalhar com mulheres sob seu comando¿, disse Nagy, numa carta. Investigado pelo FMI, DSK foi inocentado poucos dias depois. A instituição estimou que ¿não houve assédio nem nenhum outro tipo de abuso de poder¿ por parte do diretor. Sua terceira mulher, Anne Sinclair ficou a seu lado, e ele continuou no cargo.
Mas esse não é o único escândalo sexual envolvendo DSK. Em 2007, uma jovem jornalista e escritora, Tristane Banon, relatou num programa de TV na França que um político ¿ descrito por ela como um ¿chimpanzé no cio¿ ¿ havia tentado agredi-la sexualmente cinco anos antes. No ano seguinte, ela revelou que esse homem era Strauss-Kahn. Segundo a jornalista, a tentativa de abuso ocorreu quando ela o entrevistava. O político teria dito a ela que não poderia responder se eles não ficassem de mãos dadas.
¿ Tudo terminou de forma muito violenta, pois eu dizia ¿não, não¿. Acabamos no chão, nos batendo, não apenas tapas, eu dei chutes nele, ele abriu meu sutiã, tentou abrir minha calça... ¿ contou ela.
A versão é confirmada pela mãe de Tristane, Anne Mansouret, também membro do Partido Socialista francês, como DSK. Anne convenceu a filha a não prestar queixa na polícia, temendo que ela enfrentasse dificuldades na sua iniciante carreira de jornalista. Mas afirma que foi tirar satisfação com seu colega de partido.
¿- Não sei o que me aconteceu, eu enlouqueci ¿ teria dito Strauss-Kahn, segundo relato de Anne ao site francês ¿Rue89¿.
Unidade especial é sucesso na TV
Série está há 12 anos no ar
A unidade policial para onde Dominique Strauss-Kahn foi levado, especializada no atendimento a vítimas de crimes de caráter sexual, de estupros a homicídios ¿ considerados hediondos no estado de Nova York, nos Estados Unidos ¿ é um sucesso na ficção. Exibida por lá pela NBC e, no Brasil, pelo Universal Channel, ¿Law & order: Special victims unit¿ mostra a rotina dos detetives Olivia Benson (Mariska Hargitay) e Eliott Stabler (Christopher Meloni). A receita se completa com as tradicionais participações especiais, sempre ligadas ao crime investigado em cada episódio: já passaram pela atração atores como Jeremy Irons e Joan Cusack, além de Marcia Gay-Harden, Jennifer Love-Hewitt e Rose McGowan, entre outros.
Stabler (Meloni), um sujeito que já viu de tudo, e Benson (Mariska), que é fruto de um estupro, investigam casos inspirados em histórias reais. Considerada a tropa de elite dos investigadores de Nova York, a unidade tenta resolver casos como o do atropelamento de uma menina subnutrida que está ligado a uma intrincada rede de tráfico de crianças para fins sexuais. Em outro episódio, uma jovem que foi violentada quatro vezes pelo mesmo homem, desde sua adolescência, é a vítima a ser ajudada pela dupla.
Pode-se dizer que ¿Special victims unit¿ é a franquia mais bem-sucedida de ¿Law & order¿ ¿ e, em pouco tempo, será a única remanescente da original, que permaneceu no ar por 20 anos. Durante este período, a série ainda gerou ¿Law & order: criminal intent¿ (atualmente em seu último ano), ¿Law & order: Los Angeles¿ (que não foi renovada para 2012), ¿Law & order: trial by jury¿ (que só durou 12 episódios) e ¿Law & order: UK¿ (versão britânica, produzida e exibida no Reino Unido). ¿SVU¿, como a atração é conhecida entre os fãs, já está em sua 12ª temporada e caminhando para a 13ª.