Título: A bolha da vez
Autor: Rosa, Bruno; Bôas, Bruno Villas
Fonte: O Globo, 16/05/2011, Economia, p. 16

Momento atual tem indícios de excesso no crescimento de empresas de internet, mas difere de 2000

A compra do Skype pela Microsoft por US$8,5 bilhões, na semana passada, acendeu a luz amarela entre investidores e analistas do setor em todo o mundo. A forte valorização das empresas de internet ¿ lista que inclui Facebook, Twitter, LinkedIn e Groupon ¿ tem preocupado especialistas, que veem nessa alta de preços os primeiros sinais de uma nova bolha da internet. O motivo do alerta remete à crise que as companhias pontocom enfrentaram em 2000: crescimento acelerado, executivos cada vez mais bem pagos e uma enxurrada de recursos financeiros.

Apesar do temor, os dois momentos guardam diferenças. No fim dos anos 90, as companhias do setor ainda atravessavam a fronteira entre os mundos físico e virtual, com pesados investimentos em infraestrutura, exigindo alto nível de endividamento, e sem garantias de receita futura. Hoje, o modelo de computação na nuvem e softwares abertos exigem menos gastos, a publicidade on-line está mais madura e o tráfego de usuários é infinitamente maior.

Ainda assim, Eric Schmidt, presidente do Conselho de Administração da Google, afirmou, em fevereiro, que há fortes sinais de que uma bolha está se formando, em resposta à valorização do rival Facebook. Em oito meses, o valor estimado pelo mercado para a rede social mais popular do mundo saltou de US$34 bilhões para US$100 bilhões. O Groupon, site de compras coletivas que prepara o lançamento de suas ações na Bolsa, teve valorização de US$1,3 bilhão para US$15 bilhões em um ano. O LinkedIn quase duplicou sua expectativa de captação, para US$315 milhões.

¿ A valorização de empresas de internet preocupa porque o retorno sobre o investimento e a receita futura são incertos ¿ diz Carlos Affonso, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio.

Segundo ele, o risco também está no fato de a maior parte dos usuários desses sites ser aficionada por inovação. Ou seja, se a empresa não oferecer novidades o tempo todo, pode perder boa parte dos clientes.

¿ Quantos sites já não surgiram e acabaram? A compra do Skype pela Microsoft é interessante, pois a empresa não é lucrativa, e o valor foi acima de todas as expectativas do mercado ¿ afirma Affonso.

Em vez de uma, várias bolhas

O assunto ganha força. Chegou a ser tema de capa da última edição da britânica ¿Economist¿, prestigiada revista de negócios. Na reportagem, destaca-se que o Vale do Silício, sede de empresas de tecnologia, vive um momento oposto ao resto da economia americana, que ainda não conseguiu se recuperar da crise financeira de 2008.

Alguns analistas acreditam que a bolha é, por enquanto, concentrada em empresas de mídia social e compras coletivas. São companhias que têm sido assediadas por fundos de private equity, ansiosos por descobrir um novo Facebook ou Twitter. Existem, portanto, várias pequenas bolhas no mercado, afirma Paulo Veras, autor do livro ¿Por dentro da bolha¿, sobre a crise da internet na década passada.

¿ Existem semelhanças entre o movimento da bolha passada e o atual, como o excesso de liquidez no mercado para empresas de internet. Elas estão recebendo muito dinheiro de investidores e isso aumenta o seu valor, mesmo que não tenham um modelo de negócio bem estabelecido. No fim dos anos 90, tínhamos a clara expectativa que uma hora a casa ia cair e a bolha estouraria. A geração de caixa pelas empresas era uma discussão muito distante ¿ diz Veras.

Desde agosto de 2010, empresas sobreviventes da primeira bolha passaram por uma corrida na Nasdaq, a bolsa de valores que reúne companhias de tecnologia dos EUA. As ações da Apple, por exemplo, subiram 43,1% até a última sexta-feira. Também avançaram Yahoo! (25,9%) e Google (17,4%). Microsoft teve ganho de 6,56%.

O índice Nasdaq, no entanto, nunca se recuperou totalmente da bolha. Chegou a marcar mais de 5 mil pontos, em março de 2000, no auge do otimismo. Hoje, está na faixa de 2.800, mesmo patamar em que se encontrava antes da crise financeira de 2008. De olho nesses números, diz Cezar Taurion, gerente de Novas Tecnologias Aplicadas da IBM Brasil, grandes investidores passaram a diluir seus riscos, apostando em empresas diferentes:

¿ Não tem como saber o que vai dar certo. Porém, é mais barato começar hoje. Um Groupon não precisa investir em centro de distribuição. Na época da bolha, vi uma empresa nascendo com a proposta de entregar qualquer produto em duas horas. Isso exigia muito dinheiro. Vendo o histórico, os investidores estão mais cautelosos, procuram analisar o modelo de negócios e saber qual é a fonte de receita.

Mesmo com os negócios multimilionários, sobram dúvidas. João Paulo Bruder, analista da consultoria IDC, cita o caso do Skype. Ele diz que a Microsoft já deve ter em mente alguma estratégia que justifique o valor da compra:

¿ Se vai valer a pena é difícil garantir. Por outro lado, ninguém tem dinheiro sobrando após a crise de 2008 (a maior desde a depressão dos anos 30). Por isso, os investidores estão exigentes quanto ao modelo de negócios, seguindo regras contábeis, bem diferente da bolha de 2000. Naquela época e hoje, a semelhança é a incerteza quanto ao futuro.

Edgar D¿Andrea, sócio da PwC Brasil, diz que a internet virou uma espécie de incubadora para empresas, onde novos modelos de negócios são testados. Antes, esse papel era desempenhado só por universidades e governos. Isso traz riscos e oportunidades:

¿ O risco existe porque essas empresas ganham rapidamente superavaliações. Isso ocorre porque o mercado dá um peso maior ao que elas podem ser, e não ao que elas são.

Alexandre Momma, diretor da consultoria TNS, diz que, caso haja problemas em empresas do setor, o trauma não seria tão grande como no passado. Manuel Fernandes, sócio-líder da área de Informação, Comunicação e Entretenimento da KPMG, ressalta que a crise na Europa e o baixo crescimento nos EUA podem impedir o desenvolvimento do setor.

Para Donna M. Hitscherich, professora da Columbia Business School, é impossível prever o momento em que a música vai parar, deixando alguns participantes da dança das cadeiras sem lugar no novo mercado. Mas ela alerta que os melhores investimentos se baseiam na análise das qualidades da empresa para o longo prazo, não em seguir tendências do mercado:

¿ Ainda está em aberto o julgamento sobre empresas que estão entrando no mercado aberto, não sabemos se todas terão estratégias de longo prazo viáveis para o mundo da tecnologia, sempre em rápida transformação.

COLABOROU Fernanda Godoy