Título: Limites para o Pavãozinho
Autor: Schmidt, Selma
Fonte: O Globo, 16/05/2011, Rio, p. 10
Decreto municipal cria regras para o uso do solo no complexo de favelas de Copacabana
O PAREDÃO de prédios, de até cinco andares, no Pavão-Pavãozinho: decreto delimita cinco zonas na favela e fixa gabarito de dois e três pavimentos em duas delas
A MORADORA Maria Stela Vasconcelos acredita que a regularização anunciada pela prefeitura vai valorizar o seu imóvel
Um ano e cinco meses depois de ganhar uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), o Pavão-Pavãozinho, que ocupa uma área de 63.980 metros quadrados em Copacabana, terá regras de uso e ocupação do solo. O prefeito Eduardo Paes assina, esta semana, decreto delimitando cinco zonas na favela e fixando gabarito para duas delas: de dois e três andares. As demais foram definidas como de risco e especiais. O secretário municipal de Urbanismo, Sérgio Dias, acredita que mais da metade das construções da comunidade possam ser regularizadas, recebendo o habite-se ¿ documento fornecido pela prefeitura que legaliza a edificação ¿ e sendo inscritas no cadastro do IPTU.
¿ Regularizamos o que já está feito; não o que será feito. Novas construções estão proibidas em Áreas de Especial Interesse Social (Aeis), como é o caso do Pavão-Pavãozinho ¿ explicou Dias, lembrando que, mesmo que o gabarito permitido seja maior, o dono do imóvel não poderá construir novos pavimentos.
Também não basta o imóvel estar de acordo com o gabarito para ser legalizado pela prefeitura. Os donos deverão procurar o arquiteto do Posto de Orientação Urbanística e Social (Pouso) da comunidade ¿ ele vai à Associação de Moradores do Pavão-Pavãozinho às quintas-feiras, enquanto a sede do Pouso não é implantada ¿ que verificará se a construção dispõe das mínimas condições de higiene, segurança, ventilação e habitabilidade.
O Pavão-Pavãozinho será a 26ªfavela do Rio a ter uma legislação de uso e ocupação do solo. Ao tomar conhecimento das futuras normas, a presidente da Associação de Moradores do Pavão-Pavãozinho, Alzira Amaral, anunciou que pretende procurar o prefeito e o secretário de Urbanismo para pedir que sejam feitas algumas alterações:
¿ O que existia antes do congelamento das construções deveria ser legalizado. Todos os moradores devem ter direitos iguais ¿ explicou Alzira. ¿ Na comunidade temos vários prédios antigos de quatro e até de cinco andares
Imóveis da favela estão valorizados
Quase em frente à sede da associação de moradores, por exemplo, na Avenida Pavãozinho, há um prédio de quatro pavimentos, que não deverá receber o habite-se. Embaixo dele funciona um salão de cabeleireiro, num espaço alugado, ao valor de R$400, por Eliane Castro Moreira. Eliane, no entanto, vê a possibilidade de legalizar o imóvel de dois andares que comprou há um ano no morro, por R$47 mil.
¿ A minha casa tem sala, dois quartos, cozinha e banheiro. É muito bem ventilada. Tem épocas que chega a fazer frio dentro de casa. Hoje, com a UPP, ela vale uns R$100 mil ¿ calcula a proprietária do imóvel.
A cearense Maria Stela Vasconcelos, de 54 anos, que mora há 26 em um prédio de três pavimentos na Rua Colibri, acredita que a regularização vai servir para valorizar o seu imóvel, mas deixa claro que isso não mudará seus planos:
¿ Não pretendo vender minha casa. Quero deixar para meus filhos, netos e bisnetos.
É do terraço do Edifício Líbano, na Rua Djalma Urich, que se tem a verdadeira dimensão da quantidade de edifícios de cinco andares já existentes na favela Pavão-Pavãozinho. Os prédios da comunidade, uns colados aos outros, são separados do Edifício Líbano por uma enorme pedra, usada como um lixão. Para o presidente da Sociedade Amigos de Copacabana, Horácio Magalhães, o decreto da prefeitura que cria gabaritos para o Pavão-Pavãozinho só vai coibir a expansão da favela se houver fiscalização.
¿ Legalização e fiscalização precisam caminhar juntas. O Pavão-Pavãozinho vem crescendo verticalmente. Os moradores alegam que estão fazendo melhorias. Só que são melhorias entre aspas. Eles constroem mais um andar ¿ afirma ele.
Ex-síndico do Edifício Líbano, Levy de Souza conta que, nos últimos seis meses, pelo menos dois prédios da favela voltados para a Rua Djalma Urich ganharam mais um pavimento.
¿ Quando vim morar aqui no prédio havia uma casa só. Agora, é um paredão. Tive que fechar as janelas voltadas para a favela com tijolos, porque o vidro vivia sendo quebrado pelo lixo jogado pelo pessoal do Pavão-Pavãozinho ¿ reclamou ele.
De acordo com a minuta de decreto, na Subzona 1 (Pavãozinho) poderão ser regularizados imóveis com até dois andares. Na Subzona 2 (área de aclive ao longo da via principal de acesso conhecida como Pavão) poderão ser legalizadas construções de até três pavimentos. Nessas subzonas são permitidos os usos residencial e comercial dos imóveis ¿ neste caso desde que a atividade não seja poluente e não cause incômodos à vizinhança.
A futura legislação estabelece ainda que os pilotis serão considerados como pavimento (um a cada 2m50cm de altura). Sem contar no gabarito, é permitido o aproveitamento da laje da cobertura ¿ que pode ser coberta total ou parcialmente, mas não fechada ¿ para uso não permanente, como áreas de lazer e serviço.
Decreto cria duas subzonas especiais
De acordo com a Secretaria municipal de Urbanismo, as construções erguidas numa faixa de menos de três metros do teleférico terão de ser examinadas caso a caso. Serão consultados órgãos como a Gerência de Engenharia Mecânica da RioLuz, a Secretaria de Habitação e a GeoRio sobre os possíveis riscos.
Já na Zona de Risco, delimitada no alto da favela ¿ áreas do Vietnã e do Caranguejo ¿, sujeita a deslizamentos, conforme laudo da GeoRio, não é permitida a ocupação e nenhuma edificação será legalizada. No lugar, já existem muitas construções¿ mais de cem, de acordo com a presidente da associação de moradores da comunidade.
O decreto cria ainda duas subzonas especiais. Uma delas ¿ conhecida como Serafim ¿ é destinada à moradia social e a obras de urbanização. A Subzona Especial 2, na parte de baixo do morro, é voltada para a instalação de equipamentos públicos e para a construção de imóveis pelo poder público para reassentamentos.
Depois da regulamentação do uso e da ocupação do solo, será a vez de as ruas do Pavão-Pavãozinho passarem a ter nomes oficiais. No projeto de alinhamento e loteamento constam 299 ruas, mas nem todas poderão ser reconhecidas.
A área do Pavão-Pavãozinho foi declarada como Aies, por lei, em novembro de 2003. Desde então, estão proibidas novas construções na favela. Em abril deste ano, um decreto reproduziu a proibição de iniciar a construção de novas edificações em todas as Aeis da cidade.
Após um levantamento feito pelo Instituto de Terras e Cartografia do Rio de Janeiro (Iterj), no fim do ano passado, a Secretaria estadual de Habitação começou o processo de regularização fundiária no Cantagalo, favela vizinha ao Pavão-Pavãozinho. A concessão de escrituras de doação de terras ainda não chegou ao Pavão-Pavãozinho. A regularização da construção, no entanto, se dá apenas através do habite-se.