Título: Novas regras, velhas manias
Autor: Lima, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 06/08/2009, Política, p. 6

Mudanças nas normas para licitações podem reduzir burocracia. Mas trâmites para obras que concentram a maior parte dos recursos seguem sem alterações

O senador petista Eduardo Suplicy defende que, mesmo com as mudanças, o projeto ainda representa avanços sobre a norma atual

Para desenterrar o projeto que muda a Lei de Licitações, o governo cedeu às pressões de senadores que defendem a manutenção do sistema atual para a contratação de obras públicas de alto custo. A norma em vigor é criticada publicamente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo excesso de burocracia, mas, ainda assim, será mantida para empreendimentos cujo orçamento seja superior a R$ 3,4 milhões (veja quadro). Esse será o preço pago pelo governo para conseguir aprovar a proposta que tem como intenção acelerar o trâmite desses processos e o início de obras públicas que ainda não saíram do papel.

A costura política que deve levar o PLC nº 32/07 ao plenário do Senado até setembro foi intermediada pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. No gabinete dele, em meados de junho, os senadores Eduardo Suplicy (PT-SP), relator do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) da Casa, e Francisco Dornelles (PP-RJ) chegaram a consenso sobre o texto. O ponto central do embate é o que garantiria mais celeridade aos processos licitatórios: a adoção de pregão, eletrônico ou presencial, para a contratação de todos os tipos de obras e serviços.

Suplicy defendia a adoção do pregão para qualquer tipo de contrato, baseado na busca pela oferta por menores preços. Argumentava, apoiado por técnicos do Ministério do Planejamento, Tribunal de Contas da União e da Casa Civil, que a modalidade era mais rápida, eficaz e transparente. Coube a Dornelles, que representou a posição, fazer a contraposição.

Como argumento, Dornelles dizia que nenhuma comissão de licitação teria coragem de desqualificar uma empreiteira depois que ela apresentasse o menor preço, mesmo que houvesse falhas na documentação. Por isso, o senador defendeu que, para a contratação de obras públicas, o pregão fosse proibido. Vale ressaltar que as empreiteiras foram as maiores financiadoras de campanhas nas eleições de 2008. Distribuíram R$ 60,1 milhões aos partidos e R$ 46,2 milhões a políticos e comitês.

Para especialistas consultados pelo Correio, o sistema atual peca pela hierarquização das fases do processo de licitação. Segundo eles, a análise de documentos de habilitação das empresas concorrentes leva muito tempo e abre brechas para o questionamento do resultado da licitação na Justiça por empresas que perderam a concorrência.

Esse impasse fez com que a proposta, encaminhada pelo governo no início de 2007 em regime de urgência, ficasse nas gavetas do Senado por dois anos. Agora, às vésperas do ano eleitoral, o governo decidiu desenterrar a proposta e facilitou um acordo.

Os termos foram colocados no papel e, agora, Francisco Dornelles faz a última avaliação do texto. Após o sinal verde do senador fluminense, a proposta será apreciada novamente na Comissão de Assuntos Econômicos e levada em seguida ao plenário. Assim que o texto for aprovado no Senado, será encaminhado para a Câmara, onde também será apreciado pela segunda vez.

Avanços Suplicy defende que, mesmo com as mudanças, o projeto ainda representa avanços sobre a norma atual. Ele argumenta que as obras de valor até R$ 3,4 milhões representam cerca de 90% das que são tocadas no país. O problema é que esse percentual se refere à quantidade e não ao volume de dinheiro público destinado a esses empreendimentos. O grosso dos recursos estão concentrados nos 10% restantes. ¿Chegamos a essa redação, que foi aceita por todos. Ainda assim, obras de valor superior a R$ 3,4 milhões não são licitadas com base apenas no menor preço, mas na proposta mais vantajosa em valor e técnica¿, explica Suplicy.

A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa do senador Francisco Dornelles, mas foi informada de que ele não poderia ser localizado para comentar o assunto.

Três fases

No procedimento convencional, a licitação é dividida, basicamente, em três fases. Num primeiro momento, as empresas apresentam atestados de habilitação para a realização do serviço e de regularidade fiscal. Depois, são apresentados documentos que atestem a habilitação técnica e financeira da empresa. Por último, são apresentadas as propostas de preços.

Lógica invertida

No pregão, a lógica da licitação convencional é invertida. Os preços são debatidos já no primeiro momento e quem oferecer a proposta mais vantajosa vence. Depois, apenas a documentação do vencedor é avaliada. Isso acelera o processo, já que é na avaliação desses papéis que são travadas batalhas jurídicas entre as concorrentes, o que atrasa o início das obras ou serviços.

Como será a nova Lei de Licitações

Para obras de até R$ 500 mil, o pregão será obrigatório.

Nos empreendimentos de valor entre R$ 500 mil e R$ 3,4 milhões, a administração pública fica livre para escolher entre o pregão e o procedimento convencional.

Nos casos em que o custo da obra seja superior a R$ 3,4 milhões, o uso de pregão será proibido

Todos os editais de licitação deverão ser publicados na internet, nos sites dos governos federal, estadual ou municipal.

Será criada uma tabela oficial de preços de órgãos da administração pública. Nos estados, a medida será útil para pequenos municípios, que poderão usar a tabela como norte para estabelecer preços-base nas concorrências.

A nova lei abrirá possibilidade de contratação de juízo arbitral para resolver entraves judiciais sobre licitações públicas, assim como é permitido hoje nos procedimentos de parcerias público-privadas.