Título: Passo fundamental
Autor:
Fonte: O Globo, 16/05/2011, Opinião, p. 6
TEMA EM DISCUSSÃO:A união estável entre pessoas do mesmo sexo
O reconhecimento legal de relações homoafetivas, como garantia de extensão de direitos civis assegurados aos casais heterossexuais, é tendência que se consolida na legislação¿e, sem dúvida, no comportamento ¿de diversos países. É natural que o seja. Décadas de mobilização da sociedade contra anacronismos sociais tiveram como benéfica decorrência o abandono de práticas segregacionistas ¿ entre elas adiscriminação contra homossexuais, seus hábitos, suas preferências e sua orientação sexual. Foi em consonância com esta nova realidade que transforma omundo e enterra preconceitos que o Supremo Tribunal Federal decidiu recentemente, pela unanimidade de seus ministros, pelo reconhecimento da união civil estável entre pessoas do mesmo sexo. A decisão, tanto quanto manifestação inconfundível de reprovação a quaisquer atos ditados por discriminação, garante aos casais homossexuais direitos como os até aqui assegurados apenas aos heterossexuais, como a opção de fazer declaração conjunta de imposto de renda, pensão, partilha de bens e herança.
Como destacou oministro Carlos Ayres Britto, relator do processo e que foi além em seu voto, ao defender aadoção de crianças por casais gays, ¿não há nada mais privado aos indivíduos do que aprática de sua própria sexualidade¿. Obviamente, como é próprio dos sistemas democráticos, há vozes discordantes na sociedade, seja em razão de apego a estigmatizantes visões culturais ou que se socorrem na interpretação segundo a qual a Constituição, em seu artigo 226, só reconheceria unicamente a união estável no relacionamento conjugal entre homem e mulher . Mas o Supremo optou por uma interpretação que confere contemporaneidade a sua decisão, com base no artigo 5o -da Carta, pelo qual todos os brasileiros são declaradamente iguais perante a lei, semdistinção de preferências ou orientação pessoais. Deixa-se, assim, de denegar aos casais homoafetivos a garantia das mesmas condições legais de constituir família que são asseguradas aos heterossexuais. De novo citando o ministro Ayres Britto, para quem os heterossexuais não têm por que discordar da equivalência jurídica conferida aos homossexuais pela Corte, pois não há perdas com a nova orientação legal: ¿Aqui, o reino é da igualdade absoluta. Não se pode alegar que os heteroafetivos perdem se os homoafetivos ganham.¿
Mas o reconhecimento da igualdade legal, por si só, não é suficiente para romper hábitos, acabar com preconceitos e isolar manifestações deles decorrentes, como a homofobia. Até porque o Congresso Nacional precisa regulamentar a legislação que assegura o reconhecimento da união estável entre casais do mesmo sexo. Esta será uma nova fase da luta pelos direitos da igualdade civil dos gays. E, provavelmente, a parte mais difícil, porque se trata de dobrar resistências numa esfera em que é significativa a representação de opiniões contrárias ao que o STF decidiu. Há outras providências imperiosas. O reconhecimento legal da união gay estável é passo importante na guerra contra a homofobia. Mas boa parte desse esforço terá sido em vão se o Legislativo não aprovar a criminalização desta odiosa prática, que se manifesta não só na forma de indignas opiniões, mas em atos de violência contra homossexuais. Tendo sido dado passo essencial para mudar leis ecomportamentos, é fundamental que se avance na consolidação de instrumentos legais que assegurem o efetivo exercício desses direitos.