Título: Marcha a ré na disputa pelos royalties
Autor:
Fonte: O Globo, 11/05/2011, Opinião, p. 6

Pressionados por uma falta crônica de recursos, e sem muita esperança de ver suas reivindicações atendidas pelo governo federal, prefeitos de vários municípios, liderados por sua entidade nacional, marcham em Brasília de olho nos royalties do petróleo. É o que se poderia chamar de marcha a ré face ao retrocesso que esse movimento envolve, especialmente no que se refere ao pacto federativo.

Na legislatura passada parlamentares de estados não produtores de petróleo acabaram formando uma coalizão do tipo "todos contra dois" e jogaram por terra os princípios sobre os quais se baseia a cobrança de royalties. Esse movimento, que por si só já abriu uma fenda de desconfiança no pacto federativo - e que tem raízes históricas, diga-se de passagem -, continuou a seduzir prefeitos, como uma solução mágica.

O movimento parte de premissas fantasiosas, como se os royalties tivessem transformado o Rio de Janeiro e vários de seus municípios (assim como o Espírito Santo) em emirados ricos.

Se essa percepção fosse verdadeira, na lista dos vinte municípios que mais arrecadam no Brasil não apareceriam apenas três do Rio (entre os quais a capital, que ainda se beneficia diretamente pouco dos royalties). Mesmo no caso dos municípios produtores, não se pode olhar apenas o lado da receita. O Censo de 2010 mostrou que, no período avaliado, o município brasileiro com maior incremento populacional foi Rio das Ostras. Não fossem os royalties, Rio das Ostras teria se transformado em um favelão com esgotos a céu aberto, e todos os problemas decorrentes de infraestrutura precária. Não é possível que, em sã consciência, prefeitos desejem esse futuro para municípios fluminenses, igualmente brasileiros.

A autointitulada Marcha em Defesa dos Municípios, em vez de ser uma unanimidade, já parte discriminando brasileiros, o que é odioso. E ao misturar uma causa que seria justa - mais recursos para os municípios - com uma bandeira de luta equivocada (retirada dos royalties devidos a estados e municípios produtores de petróleo) só fomentará dissensões políticas.

A Marcha se propõe a pressionar o Congresso para derrubar o veto do então presidente Lula à cláusula que retirava a receita atual de royalties dos produtores. O veto, vale salientar, não restabelece as regras em vigor para o caso de incidência e distribuição de royalties para futuros campos do pré-sal que serão explorados no regime de partilha. Como se trata de uma riqueza que municípios produtores não contavam, Lula, abrindo mão de apenas uma pequena parcela do que caberá à União, atendeu à reivindicação de estados e municípios não produtores, transferindo a esses entes parte do que se destinaria aos produtores. Os governadores de Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo tiveram de aceitar o acordo goela abaixo, mas, naquele momento, não imaginavam que o movimento se estenderia às receitas dos campos já em produção ou em avançado estágio de desenvolvimento, o que, se posto em prática, desarticularia as finanças fluminenses, por exemplo. O Rio de Janeiro passou por quase meio século de decadência econômica e discriminação. E não está em condições de sofrer tamanho revés.