Título: O país que domou a inflação de 13,3 trilhões por cento
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 15/05/2011, Economia, p. 31
Míriam Leitão conta em livro a saga do povo brasileiro para estabilizar sua moeda, com bastidores e histórias privadas
DESABASTECIMENTO NO supermercado por excesso de compras no Cruzado
CORRENTISTAS FAZEM fila no Banerj para sacar dinheiro no Plano Collor, após feriado
VENDEDOR DE coco foi um dos primeiros a aderir à URV
MÍRIAM LEITÃO lançará seu livro na próxima terça-feira, no Rio
Da barbárie da hiperinflação a um país orgulhoso da sua moeda estável. Duas décadas e meia para superar o que parecia ser insuperável: 13 trilhões e 342 bilhões por cento (13.342.346.717.617,70%) de inflação acumulada nos 15 anos que antecederam o Plano Real, em 1994. Período em que brasileiro chorou, sofreu, engavetou sonhos. Do Plano Cruzado, em 1986, até o Real, a moeda perdeu nove zeros e mudou de nome cinco vezes. Mercadorias sumiram das gôndolas, poupanças foram confiscadas, preços foram congelados. Uma história ao mesmo tempo épica e dolorosa vivida por pessoas comuns.
A nova geração não conheceu este Brasil. E para que os mais velhos não corram o risco de apagar esse passado, a jornalista Míriam Leitão rememorou os fatos, contou bastidores de governo, traduziu dramas humanos e privados. Tudo isso condensado no livro ¿Saga brasileira, a longa luta de um povo por sua moeda¿. A autora viveu dia após dia esta batalha, dentro e fora das redações dos grandes jornais, numa época em que os planos econômicos duravam menos de um verão.
Brasileiro inoculou `no DNA temor de volta da inflação¿
Com lançamento marcado para esta terça-feira no Rio, o livro (Editora Record, valor sugerido de R$49,90) traduz o país num momento em que a inflação volta ao centro das atenções. Em abril último, o índice acumulado pelo IPCA em 12 meses rompeu o teto da meta oficial, chegando a 6,51%. O risco só não é mais preocupante, ressalta Míriam, porque nas muitas tentativas de erros e acertos dos últimos anos para combatê-la, o brasileiro acabou inoculando no seu ¿DNA o temor da volta da inflação muito alta¿. Um aprendizado feito a duras penas.
¿ Quero desmistificar a ideia de que na ditadura militar (1964-1985) a política ia mal, enquanto a economia ia bem. Os governos democráticos herdaram uma bomba, que tiveram que desarmar. Uma herança maldita de descontrole fiscal, dívida externa e correção monetária ¿ diz Míriam.
Fazendo eco com a autora, Gustavo Loyola, que presidiu o Banco Central no governo Itamar Franco, é um dos protagonistas da saga brasileira contada por Míriam:
¿ Mais do que um desastre econômico, a volta da inflação hoje pode significar um desastre político ¿ alerta Loyola, sócio-diretor da Tendências.
Loyola fez parte de um grupo seleto de 15 pessoas que contribuiu com depoimentos e entrevistas à jornalista, que somaram 35 horas. Economistas do calibre de Persio Arida (um dos idealizadores dos planos Cruzado e Real), André Lara Resende (ex-presidente do BNDES), José Roberto Mendonça de Barros (ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo Fernando Henrique Cardoso), Edmar Bacha (ex-presidente do IBGE, do BNDES e um dos artífices do Plano Real) e o ex-presidente FH foram alguns de seus colaboradores.
Crítico do atual governo, devido à cautela com que vem lidando com o tema, Edmar Bacha está preocupado com o ¿custo que o país terá que pagar para trazer a inflação a patamares menos preocupantes¿. E aproveita para elogiar a oportunidade do livro: um calhamaço de 475 páginas.
A jornalista mergulhou fundo no tema voltando ao nascimento da República para explicar o processo inflacionário brasileiro até os tempos atuais. Fez também analogias com outros países e concluiu que a grande diferença da inflação daqui para a lá de fora, especialmente a hiperinflação alemã dos anos 20, foi o tempo de duração deste processo: curto lá fora e longo entre nós.
¿Foi um processo longo, mas, como se aprende na ginástica, os músculos se fortalecem com o exercício constante e ao final de longa preparação. Os músculos com que o Brasil enfrentou a crise global foram formados em duas décadas e meia de preparação física¿, escreve Míriam.
Músculos que foram sendo torneados por sucessivos planos econômicos, num exercício que começou no Plano Cruzado e terminou com o Plano Real. Nos últimos 17 anos, o país criou tamanha musculatura que acabou obrigando o Fundo Monetário Internacional (FMI) a admitir que o Brasil ¿nunca esteve tão forte numa crise global¿, como foi a de 2008 ¿ a maior desde a depressão dos anos 30.
Erros e acertos de sucessivos planos econômicos
Míriam desvenda os dois lados de uma mesma moeda. Se o Cruzado fracassou porque a inflação voltou, o plano, escreveu, mostrou ao brasileiro o gostinho, ainda que ¿intenso e curto¿, de que era possível sonhar com um país sem hiperinflação. O Plano Bresser, que veio com conversão de preços e salários, durou pouco. O Plano Verão deflagrou o desmonte do Estado gigante, dando início às privatizações. O Plano Collor, que prometeu dar um ¿tiro¿ na inflação, transformou-se numa ¿ignomínia¿. Só que foi ¿naquele infeliz governo que o país começou a abrir a economia e fazer o esforço da modernização¿, lembrou Míriam. E, por fim, o Plano Real, que ensinou que até ¿as vitórias têm efeitos colaterais indesejados, como a quebra dos bancos e as crises cambiais¿.
¿ Não existe vitória completa contra a inflação ¿ diagnostica José Roberto Mendonça de Barros, concordando com a jornalista ao defender, no livro, a ideia de que o fim da inflação ajuda a ¿desinflacionar¿ a pauta do país, abrindo espaço para a discussão de temas como pobreza, saúde e educação.