Título: Câmara aceita união de gays,mas se divide sobre adoção de crianças
Autor: Carvalho, Jailton de; Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 15/05/2011, O País, p. 12
Enquete feita pelo GLOBO mostra tendência de voto dos deputados sobre direitos homossexuais
Jailton de Carvalho, Demétri Weber e Roberto Maltchik
BRASÍLIA. A Câmara dos Deputados apoia aunião estável entre homossexuais, mas está dividida em relação ao direito desses casais de adotar crianças. Levantamento feito pelo GLOBO na última semana mostra ainda que associar a palavra ¿casamento¿ àunião entre gays é um tabu, mas os deputados reconhecem que a homofobia deve ser considerada um crime. Entre segunda e sexta-feira, o GLOBO ouviu 320 dos 513 deputados. Desses, 228 cravaram voto a favor da união estável, 86 foram contra, 30 não se manifestaram. Os votos foram registrados em cédula, por telefone e e-mail. Integrantes de todos os partidos foram consultados. A ampla maioria que aprova a união estável, direito reconhecido em última instância pelo Supremo Tribunal Federal há uma semana, não se repetiu quando o assunto é adoção. Indagados se casais gays devem ter direito aadotar crianças, 145 disseram ¿não¿. Outros 154 apoiam a ideia. Hoje, os homossexuais conseguem na Justiça autorização para adotar crianças, mas o nome de apenas um dos parceiros pode aparecer na certidão da criança.
Boa parte dos entrevistados referendou aproposta de criminalizar a homofobia. Projeto sobreo tema já foi aprovado na Câmara dos Deputados e agora depende de votação no Senado. O texto sofreu alterações e, se aprovado,retornará para novo aval dos deputados. Na enquete feita pelo GLOBO, 217 são a favor de tornar crime as manifestações de preconceito contra homossexuais.
Surpresa com o resultado
Para 175 dos entrevistados, não deve ser permitido o casamento entre homossexuais. Já 115 não veem problema nisso. Na legislação atual, casamento e união estável geram os mesmos benefícios, mas os religiosos insistem em que o primeiro é apenas para celebrar a união entreum homem euma mulher. O resultado da enquete surpreendeu até parlamentares que acompanham a questão desde o apareci mento do primeiro projeto sobre o assunto na Câmara, há quase duas décadas. O deputado João Campos (PSDB-GO), um dos líderes da bancada evangélica, rechaçou a tendência indicada no levantamento. ¿ O resultado da pesquisa não retrata o Congresso, retrata apenas um momento. Se não tivéssemos adecisão do Supremo, certamente o resutado seria outro ¿ disse Campos. A senadora Marta Suplicy (PT-SP), autora do primeiro projeto sobre união civil entre pessoas do mesmo sexo, quando era deputada, considerou alvissareiro o resultado da votação. Segundo ela, a pesquisa confirma com números a percepção de que, de fato, os parlamentares estariam mais abertos para tratar da temática gay. Ela sustenta que, mesmo assim, o Congresso Nacional estaria atrás do Executivo e atémesmo do Judiciário, que tem emitido sentenças favoráveis aos homossexuais há alguns anos. ¿ Você não têm ideia de como essa pesquisa é importante.
Ela mostra com números o que eu já vinha dizendo de forma intuitiva¿disse a senadora petista. Para ela, o resultado do levantamento pode ajudar deputados aperder o medo de se manifestar a favor de antigas reivindicações do movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros). Só assim seria possível aprovar projetos como a criminalização da homofobia, em tramitação no Senado. Na quinta-feira, o projeto teve que ser retirado da pauta por pressão de religiosos e do deputado Jair Bolsonaro(PP-RJ), onovo líder do movimento antigay. O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), que se elegeu com a bandeira LGBT, também comemorou o resultado da pesquisa. -¿ Surpreendeu-me positivamente, considerando a omissão do Congresso em relação ao tema. De 1995 para cá, o Congresso não legislou em relação àpopulação LGBT ¿ disse Wyllys. Em sua estreia como parlamentar, ele quer incluir na Constituição o direito à união estável entre pessoas do mesmo sexo. Hoje, o texto constitucional só fala em união entre homem e mulher. Mas Jean Wyllys não conseguiu o número mínimo de assinaturas (171, um terço do total) para apresentar proposta de emenda constitucional. O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), não vê contradição no voto de parlamentares que se manifestaram contra o casamento e a favor da união civil.
Para ele, a decisão sobre casamento é exclusiva da religião. ¿ A união estável resolve o problema civil. O termo ¿casamento¿, para a parte civil, acaba sendo redundante ¿ sintetiza o deputado.
Boa parte dos parlamentares que votou pela tipificação da homofobia como crime fez ressalvas à ideia. Alguns consideram importante que o combate à dis- criminação de natureza sexual não resulte em restrições à liberdade de expressão e nem crie amarras ao convívio social. Entre os parlamentares atentos às nuances da questão estava Alfredo Sirkis (PV-RJ). Ele só concordou em votar ¿ a favor da criminalização ¿, depois defazer algumas ponderações. ¿O discurso preconceituoso, piadas de mau gosto ou manifestações genéricas de cunho religioso não devemser criminalizados ¿ disse Sirkis.
Deputado teme futuro só de gays
Os deputados se mostraram divididos sobre aadoção. Até parlamentares que defendem o casamento gay são mais cautelosos para se declarar contra ou a favor da adoção de crianças por casais homossexuais. O deputado Edinho Bez (PMDB-SC) sugeriu que a criação de filhos por pais gays poderia criar no futurouma geração só de homossexuais. ¿ Os filhos vão achar que é natural evão repetir o comportamento dos pais ¿ disse. ¿ A orientação sexual dos pais não afeta nem determina a orientação dos filhos. Sou filho de heterossexuais e sou homossexual. Meus irmãos são heterossexuais ¿ rebateu Wyllys. Entre terça esexta-feira, parlamentares de PT,PMDB, PSDB, DEM, PDT, PC do B e PTB, entre outros 15 partidos, foram apresentados a uma cédula com quatro questões em que poderiam se manifestar contra ou a favor do casamento eda união estável entre homossexuais. Pderiam aprovar ou rejeitar a adoção de filhos por casais formados por pessoas do mesmo sexo e também a criminalização da homofobia. Os deputados, se quisessem, podiam registrar voto sem se identificar . ■