Título: Só trabalho tira o Senado da crise
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Fonte: Correio Braziliense, 06/08/2009, Opinião, p. 22

Não será com boca suja que se lavará a imundície que emporcalha o Senado Federal. Enquanto a Casa corre atrás do próprio rabo, a crise interna se perpetua, a análise e votação de projetos essenciais ao país são empurradas para o infinito e o abismo entre a instituição e os eleitores se aprofunda. Urge, em primeiro lugar, separar o joio do trigo e buscar entendimento suprapartidário rumo a ampla e profunda reforma administrativa capaz de prevenir os erros do passado e recolocar de volta aos trilhos a moralidade e o decoro parlamentar. Em suma, restabelecer, com a devida urgência, as condições necessárias para o bom funcionamento da Câmara Alta.

Ao mesmo tempo em que se cumpre essa etapa, cabe definir a pauta de deliberações a ser tocada de imediato, com força para resgatar a credibilidade perdida. Por pelo menos duas razões, é imperioso dar prioridade à reforma eleitoral. A primeira: as novas regras apenas valerão em 2010 se estiverem aprovadas e sancionadas pelo presidente da República até outubro, com a antecedência de um ano prevista pela Constituição. A segunda: o debate será revelador do grau de coragem dos senadores para cortar a própria carne, se livrar dos vícios do corporativismo, do apadrinhamento, do nepotismo ¿ enfim, passar a limpo a própria história.

Essa reforma somente será válida se contribuir para a melhor qualificação da classe política, assegurar que os futuros parlamentares estejam à altura do novo padrão que se pretende para o Congresso. Um Legislativo moderno, transparente, confiável não combina com as mudanças eleitorais projetadas pela Câmara. Há que rejeitar os fichas sujas, os senadores sem voto, os financiamentos de campanha nebulosos, e garantir o uso democrático dos meios de comunicação pelos candidatos, incluindo a internet. Revisto, o projeto aprovado pelos deputados carecerá de tempo para voltar à análise da Casa, o que aumenta a urgência da ação do Senado.

Mas as crises ¿ seja a do travamento da pauta pelas medidas provisórias, seja a do mensalão, seja a atual (dos atos secretos e outras práticas indecorosas) ¿ têm desviado o foco de inúmeras questões vitais para o país. Nem o abalo das finanças mundiais provocado pelo mercado imobiliário norte-americano tirou o Congresso da inércia. O parlamento brasileiro ficou devendo contribuição substancial, como as reformas tributária, da previdência, da modernização do mercado de trabalho. Tem falhado também na fiscalização e controle dos gastos do Executivo, em desembalada progressão.

Entre outras urgências a resolver, está a questão do pré-sal. Mais: pronto para ser votado, projeto que aperfeiçoa (de modo a evitar fraudes) a Lei de Licitações não anda. A fila, ao contrário, cresce. A paralisação do Congresso atrasa o país. A imagem de um Legislativo fraco, constrangido, habituado a práticas condenáveis, compromete a democracia. O debate não pode se limitar à decisão de manter ou afastar da Presidência o senador José Sarney (PMDB-AP). É preciso dar fim aos desmandos, restabelecer a moralidade administrativa e recuperar de imediato a atividade legislativa.