Título: Haddad defende livro, mas Enem exige norma culta
Autor: Weber, Demétrio ; Barbosa, Adauri Antunes
Fonte: O Globo, 18/05/2011, O País, p. 10

BRASÍLIA, SÃO PAULO e RIO. Apesar de o ministro da Educação, Fernando Haddad, ter saído ontem em defesa do livro didático da Coleção "Viver, Aprender" que diz que é correto falar com erros de concordância, dependendo do contexto, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) exige o domínio da norma culta da língua portuguesa e não admite a norma popular.

A mesma orientação fez o coordenador do vestibular da UFRJ, Luiz Otávio Langlois.

- A universidade não vai mudar seus parâmetros do vestibular em cima de um livro. Na prova continuará valendo a norma culta da língua portuguesa - disse.

Em entrevista à CBN, Haddad defendeu o sistema de avaliação de livros didáticos do governo federal e disse que recolher os exemplares da obra "Por uma vida melhor" (Editora Global) seria o equivalente a praticar censura. O livro foi distribuído a turmas de ensino fundamental de jovens e adultos, este ano, pelo Ministério da Educação.

Para o ministro, o livro toma a norma popular da língua como ponto de partida para ensinar a norma culta. O livro diz num trecho: "Você pode estar se perguntando: "Mas eu posso falar os livro?" Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico". Haddad enfatizou ainda que o compromisso da escola é com a norma culta.

O linguista Marcos Bagno, professor da Universidade de Brasília (UnB), contestou ontem a opinião da procuradora Janice Ascari, do Ministério Público Federal em São Paulo que acusou os responsáveis pela edição do livro de estarem cometendo um crime contra a educação.

- A procuradora falou de modo leviano, sem conhecimento de causa, inspirada somente no que ouviu dizer. Fez um escândalo sobre o que não existe. Ninguém está propondo "ensinar a falar errado", mas simplesmente a reconhecer a realidade linguística multifacetada, heterogênea - criticou Bagno, autor de vários livros sobre o tema.

Segundo o professor da UnB, a procuradora não sabe que há mais de 15 anos o ensino do português no Brasil diferencia a língua falada da escrita para que o aluno passe a perceber e a apreender a linguagem culta.

No Rio, o defensor público federal André Ordacgy, disse que a postura do MEC abre precedentes para que o estudante que se sentir prejudicado no vestibular ou no Enem, por usar a linguagem popular na prova, possa entrar na Justiça com uma ação de danos morais.

- O estudante aprende na escola que as duas formas (culta e coloquial) da língua portuguesa estão corretas. O MEC não pode chegar na prova do Enem, por exemplo, e tirar ponto de quem escrever na linguagem popular. O fato dá margem a pedidos de revisão ou até ação na Justiça por conta de erros como o uso de linguagem oral - justificou.

Ordacgy afirmou que hoje vai oficiar o MEC pedindo esclarecimento sobre a adoção de um livro com erros.

Para o estudante do ensino médio e candidato ao vestibular da Uerj Mateus Alves, de 18 anos, o livro deve ser tirado de circulação porque é um insulto ao bom português:

- Tem que ser ensinada a norma culta e não a linguagem popular. O português, na gramática e na forma oral, tem que ser um só. Na vida, no trabalho, é feio falar a forma coloquial.