Título: Ajuste fiscal precisa ter qualidade
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Fonte: O Globo, 17/05/2011, Opinião, p. 6

Diante das fortes pressões inflacionárias, que até levaram os índices oficiais de preços a ultrapassar o teto da meta (6,5%) no acumulado em doze meses, os instrumentos de política econômica devem estar voltados para uma moderação do ritmo de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), de modo que se possa restabelecer um equilíbrio especialmente naquelas áreas nas quais se observou um distanciamento entre as curvas de demanda e oferta.

Enquanto a oferta não reage, em função dos investimentos programados ou em curso, a maneira mais rápida e eficaz para se segurar a pressão sobre os preços é esfriar um pouco a demanda. Mas tirar o pé do acelerador na política econômica não significa que o país precise ser empurrado para uma recessão. O fato de a inflação ter batido no teto da meta ainda não é sinônimo de perda de controle, embora haja o risco criado pelos mecanismos de indexação que persistem na economia.

É importante que instrumentos de combate à inflação estejam afinados, no mesmo tom. Pelo lado da política monetária, o Banco Central adotou medidas de restrição ao crédito e elevou as taxas básicas de juros (embora, no último aumento, de 0,25 ponto, houvesse dentro do Copom dois votos a favor de 0,50). E, do lado da política fiscal, espera-se uma redução expressiva nos gastos correntes governamentais.

Aparentemente isso ocorreu no primeiro trimestre do ano, segundo as estatísticas oficiais, o que foi um alento nos mercados, pois todos os agentes estavam apreensivos com atrajetória das despesas governamentais, que havia entrado em um rumo explosivo, principalmente antes das eleições gerais.

Mas esse alento não deve ser efusivo, pois, como alerta o especialista em finanças públicas Raul Velloso, houve, na verdade, uma postergação de despesas. Se aUnião tivesse mantido o cronograma habitual de pagamento de precatórios, os gastos teriam aumentado em 5,6%, em vez de apenas 1%. Essa prática já foi usual no passado, quando o controle das despesas era feito na boca do caixa. Não é essa política fiscal que o país precisa e deseja. Tanto em termos conjunturais (para ajudar no combate à inflação) como estruturalmente (liberação de espaço para incremento de investimentos privados), apolítica fiscal no Brasil deveria ser marcada por um crescimento das despesas abaixo damédia de expansão do conjunto da economia. No discurso, as autoridades defendem essa ideia, mas o que se vê é uma enorme dificuldade para pô-la em prática. A política de controle de gastos na boca do caixa só se justificaria em uma situação de emergência, em que não houvesse outra saída. O país conta com um bom arcabouço institucional¿a Lei de Responsabilidade Fiscal é exemplo disso ¿ que lhe permite ter um ajuste de mais qualidade.

Mas é preciso ter vontade política firme para executar oajuste necessário, esem contabilidades criativas. Se não houver convicção no governo da necessidade de se reduzir o fôlego dos gastos, será mais penosa para a sociedade aluta contra ainflação. Leniência hoje contrata choques para amanhã.