Título: Triangulação vai de ímã a escova de cabelo
Autor: Justus, Paulo ; D"Ercole, Ronaldo
Fonte: O Globo, 18/05/2011, Economia, p. 23

SÃO PAULO. A guerra da indústria nacional contra a concorrência de produtos chineses entrou numa nova etapa. O alvo agora são as triangulações, esquemas pelos quais mercadorias importadas do mercado asiático passam por diferentes países antes de entrar no Brasil para escapar das barreiras antidumping já existentes. Os fabricantes de calçados, escovas de cabelo e ímãs de ferrite (para a fabricação de equipamentos de som) já denunciaram a prática para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). O primeiro processo formal de investigação foi aberto na segunda-feira, sobre a triangulação de cobertores sintéticos provenientes da China. Mas a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), por exemplo, entrou com pedido de investigação de triangulação em janeiro, identificando Malásia, Cingapura, Vietnã e Hong Kong como os principais países pelos quais as importações chinesas foram desviadas, para evitar a sobretaxa de US$13,85.

Relatório da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostra que houve uma inversão nas origens de calçados importados a partir da implantação do antidumping. As importações da China caíram de 17,7 mil toneladas, de junho de 2008 a maio de 2009, para 6,3 mil toneladas um ano depois. Já as importações do Vietnã passaram de 2,6 mil toneladas para 3,9 mil toneladas, e as da Indonésia, de mil toneladas para 1,6 mil toneladas.

Segundo a Abicalçados, em 2010, o Brasil registrou a importação de 7,3 milhões de pares chineses, mas a própria China divulgou que embarcou 23,6 milhões de pares para o país.

- É evidente que 17 milhões de pares de calçados não desapareceram no fundo do mar. Houve crescimento absurdo de outras origens, como Vietnã, Malásia, Indonésia, Paraguai e Hong Kong - disse Milton Cardoso, presidente da Abicalçados.

O MDIC confirma que há quatro outros casos de triangulação em análise, mas se recusa a identificar quais são os setores. Segundo Cardoso, a indústria calçadista está entre os casos avaliados pelo Departamento de Defesa Comercial do ministério.

- Eles nos disseram que nosso processo se encontra sob análise e que estão com dificuldades de obter as informações do Ministério da Fazenda para dar início às investigações - disse Cardoso, após participar de reunião com o secretário-executivo do MDIC, Alessandro Teixeira.

Empresários criticam demora nas investigações

O presidente das Escovas Fidalga, Manolo Miguez, reclama da demora dos processos de investigação do antidumping. No caso das escovas de cabelo, a denúncia sobre o caso de triangulação ocorreu em meados de 2008, seis meses depois do início da entrada da medida antidumping de US$15,67 sobre o quilo importado da China, em dezembro de 2007. O pedido ainda está sob análise do MDIC.

- Nosso antidumping vence em 2012 e, até agora, não teve qualquer efeito, por causa da triangulação. Antes da sobretaxa, 80% da importação de escovas de cabelo vinham da China. Hoje, 56% das importações vêm de Taiwan, 20% da Coreia e apenas 11% da China - diz Miguez, membro da Comissão de Defesa da Indústria Brasileira (CDIB).

Os fabricantes de armações de óculos, bases de pedal de bicicleta e escovas de cabelo se reúnem hoje com o secretário-executivo do MDIC, para discutir medidas para combater as fraudes dos importadores contra as barreiras antidumping. No caso dos óculos, além da triangulação por outros países, o setor se preocupa com fraudes na descrição do produto para combater tarifas antidumping.

- Desde o fim do ano, cresce a importação de óculos normais como se fossem óculos de proteção, usados na indústria. No primeiro trimestre deste ano, foram importadas 115 toneladas desse produto, quase seis vezes o volume do mesmo período de 2010, quando entraram no país 27 toneladas. Como a Receita não abre os contêineres, a entrada de óculos comuns como se fossem de proteção fica facilitada - disse Rinaldo Dini, diretor do Sindicato da Indústria Ótica.

No caso de ímãs de ferrite, a triangulação do produto proveniente da China passa por Taiwan, Malásia e Índia. O pedido feito pela Supergauss, em março de 2010, foi negado pelo ministério, com a alegação que o caso se tratava de falsificação de certificado de origem.

O diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Fiesp, Roberto Giannetti da Fonseca, disse que, além das medidas de triangulação, a defesa comercial passa pelo combate à pirataria e à falsificação do certificado de origem das mercadorias:

- Essas medidas têm de ser combatidas com a Receita e a Polícia Federal, que já aumentaram as apreensões.

O diretor do Departamento de Defesa Comercial do MDIC, Felipe Hees, explicou que o processo de investigação de triangulação no caso dos cobertores sintéticos deve demorar de seis a oito meses para ser apurado.