Título: Em termos de costumes, somos retrógrados
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 19/05/2011, O Mundo, p. 30
PARIS. Jean Quatremer, 53 anos, jornalista premiado do "Libération", foi o único a chamar atenção para os "não ditos" na imprensa francesa sobre a relação de Dominique Strauss-Kahn com as mulheres.
Por que tantos anos de silêncio da imprensa francesa sobre as relações muitas vezes problemáticas de DSK com mulheres?
QUATREMER: A imprensa francesa tem uma interpretação extensa do respeito à vida privada, que quer dizer: não se fala de certos casos, em particular, de casos de família ou ligados ao sexo. Há 40 anos, salário, patrimônio dos políticos e até financiamento dos partidos eram considerados parte da vida privada. Não investigávamos essas questões. A partir dos anos 80, os políticos passaram a ter que dar satisfações sobre seus patrimônios e salários. Mas o que continuou tabu é tudo ligado à família e ao sexo. A França é um país católico, conservador. E há uma reverência muito grande dos franceses ao Estado e a todas as pessoas que servem ao Estado, porque a nação francesa existe graças ao Estado.
A França é sempre citada como país laico. Prevalece a reverência ao Estado, não?
QUATREMER: Somos um país laico. Mas em termos de costumes, somos retrógrados: não aceitamos o casamento homossexual, a eutanásia e a igualdade entre sexos está atrasada mesmo em relação à Espanha. A perseguição sexual passou a ser condenada recentemente, após diretriz da União Europeia. A França é extremamente conservadora. A imagem estrangeira de que a França é laica e moderna é falsa.
O senhor se surpreendeu com a gravidade das acusações contra DSK ?
QUATREMER: Eu sabia, como a maioria na esfera política, que o comportamento de DSK com as mulheres saía da norma. A maioria das mulheres que teve contato com DSK tem anedotas sobre a forma como ele as seduzia e propunha relações sexuais, e isso de forma repetida. Era frequente; ele se passava pelo "latin lover". Mas estou surpreso com a acusação de estupro: entre perseguição sexual e estupro, há uma margem.
O caso da jornalista Tristane Banon, que afirma ter sido quase estuprada por DSK, como isso foi tratado pela imprensa francesa ?
QUATREMER: Quando ela contou, numa emissora de TV a cabo, em 2007, não desencadeou qualquer investigação jornalística. Na França, mulher que diz ter sido vítima de tentativa de estupro sem prova material se depara com a ironia e a incredulidade das pessoas, juízes e analistas. Sobretudo se o homem é conhecido e poderoso, porque acham que ela quer ganhar dinheiro. (D.B).