Título: Nota dissonante
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 12/05/2011, Economia, p. 24

A bolsa brasileira cai mais que as outras, ou como se diz no mercado, descolou. O Ibovespa, depois de um ano com uma quedinha de 1,1%, acumula queda de 8% em 2011. As bolsas americanas estão com alta de 7% a 9%; a da Alemanha, de 15%. A da França já subiu 13%. Londres tem alta de 6,3%. Os emergentes não vão muito bem, mas só a Índia está com uma queda equivalente à brasileira.

Os economistas do mercado dão as mais variadas explicações, mas é difícil entender como os Estados Unidos, cuja dívida pela primeira vez em 70 anos foi analisada com expectativa negativa, e a Europa, com risco de quebra de alguns países periféricos, estejam num bom momento no mercado de renda variável, e o Brasil esteja num mau momento.

Álvaro Bandeira, da Ativa Corretora, explica que o ano teve muitos eventos inesperados, que aumentou muito a aversão ao risco, e isso tudo prejudica os emergentes. Mas o Brasil tem caído mais que outros países em desenvolvimento (vejam no gráfico). A bolsa da Rússia está caindo 1,97%; a de Xangai, subindo 2,8%. Dos Brics, só a da Índia está com queda tão forte quanto a do Brasil, de 9,37%.

¿ A bolsa brasileira foi a que mais subiu em 2009, cerca de 70%. O fluxo de recursos para emergentes está menor, entre outros motivos, porque não haverá nova rodada de liquidez por parte do banco central americano ¿ disse Álvaro Bandeira.

Ele acha também que o desempenho das ações da Petrobras é um mistério. Se o petróleo sobe, ela não sobe; se o petróleo cai, ela cai.

Alexandre Póvoa, da Modal Asset, avalia que há uma saída dos emergentes:

¿ Eles tinham migrado para os emergentes, como um porto seguro, em função do mau desempenho das grandes economias. Com a melhora dos desenvolvidos, houve uma volta, o que é natural.

Póvoa disse que houve uma mudança: o mundo ficou mais otimista em relação aos desenvolvidos. É que o quadro era muito pior no ano passado, e os emergentes muito mais pujantes. Agora, os Estados Unidos estão crescendo, ainda que em ritmo baixo, e a Europa tem conseguido driblar o pior cenário de colapso das dívidas em dominó. Já o Brasil está com alguns problemas específicos.

¿ A Petrobras e a Vale tiveram problemas de governança. Era para a Petrobras estar lucrando muito com a alta do petróleo, mas a companhia não pode elevar o preço da gasolina por razões políticas. Para piorar, o preço do álcool subiu muito e isso fez o consumo da gasolina aumentar. A empresa teve que importar a um preço maior do que vende ao distribuidor no Brasil ¿ explica Póvoa.

O resultado disso é que a ação da Petrobras acumula queda de 10% no ano. A Vale, que também enfrentou interferência política, está com queda de 11,8%, mesmo com o lucro recorde do primeiro trimestre.

Marco Antônio Melo, da Ágora Corretora, disse que as empresas americanas estão aumentando muito a lucratividade. Elas se ajustaram, reduziram drasticamente seus custos, e se adaptaram ao novo momento. O S&P está com alta de 7,6%; Nasdaq, de 7,2%; e o Dow Jones, de 9%:

¿ Demonstra a força das empresas americanas, que tradicionalmente conseguem se adaptar a novas situações. Confirma o fenômeno americano de se reinventar.

Mas os Estados Unidos ainda vivem momento de incerteza, até sobre as previsões de crescimento para este ano. Há uma dispersão grande entre as estimativas para o PIB. Há quem preveja 2% e quem aposte até em 4%. Mas se o país crescer 3% não estará muito distante do Brasil, cujas previsões de crescimento estão sendo revistas para baixo. A diferença é que eles estão se recuperando, e o Brasil, desacelerando.

No ano passado, o país cresceu muito e a bolsa andou de lado. O Brasil enfrenta o mesmo quadro inflacionário do resto do mundo, mas aqui o problema é mais complexo, os juros são mais altos e há necessidade de mais aperto monetário. Pesam também as dúvidas sobre a autonomia de decisão nas duas maiores empresas brasileiras. Seja o que for, até agora, no ano, o Brasil e a Índia estão disputando a lanterninha no desempenho das bolsas.