Título: Partidos saldam dívidas de forma aética
Autor:
Fonte: O Globo, 12/05/2011, Opinião, p. 6

Em mais uma volta ao debate de propostas de reforma política, repete-se a controvérsia sobre o financiamento público de campanha. Nenhuma novidade. Reaparecem os mesmo frágeis argumentos a favor do repasse integral da conta de despesas de partidos e políticos ao contribuinte ¿ supostamente mais transparência,maior facilidade de controle¿, enquanto ficam sem resposta, como sempre, as sólidas dúvidas sobre a garantia de que assim estará banido o caixa dois da vida pública. A surpreendente e inaceitável novidade, revelada pelo jornal ¿O Estado de S. Paulo¿, é que todos os partidos, da situação e da oposição, no final da legislatura passada, em janeiro, aproveitaram quando o país estava atento ao início do novo governo para incluir no Orçamento um repasse adicional de R$ 100 milhões ao Fundo Partidário, com a finalidade de saldar as dívidas de campanha das legendas. Quer dizer, criaram, sem antes apresentar o projeto àsociedade, o financiamento público de dívidas de campanha. A má-fé é denunciada pelos números da distribuição das cotas extras do fundo, já constituído emparte por dinheiro do contrbuinte. Pois, se o PT fechou a campanha das eleições de 2010 com um rombo de caixa de R$ 15,9 milhões, caberão ao partido, na repartição do dinheiro surrupiado do Erário na surdina, R$ 16,8 milhões. Maior ¿coincidência¿ ocorre com oPSDB: para uma dívida de campanha de R$ 11,41 milhões, os tucanos receberão... R$ 11,4 milhões.

A ligeireza no encaminhamento do projeto deste repasse também é explicitada pela maneira com que foi aprovado: por unanimidade, de forma terminativa, pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso. Não foi, portanto, a plenário, porque, assim, poderia chamar a atenção. Políticos se defendem com o argumento de que não houve ¿irregularidades¿ na aprovação do repasse. Esperteza, pois não é disso que se trata. No plano formal, o regimento e as normas foram cumpridos; já do ponto de vista da ética, tratou-se de um esbulho contra todos que pagam impostos, diretos e indiretos. A manobra éenquadrada no esporte nacional em que se disputa a descoberta da maneira mais eficiente de se conseguir , ao menor custo possível, abocanhar recursos recolhidos pela Receita ao Tesouro. Até as, à primeira vista,mais consolidadas convicções ideológicas podem ser revistas diante de um repasse, um dinheiro fácil subtraído do bolso do contribuinte. Um exemplo do poder de sedução do patrimonialismo é adecisão do governo Lula de incluir as centrais na repartição do imposto sindical, e ainda sem a necessidade de prestação de contas dos gastos. Há mais de 30 anos, Lula e companheiros hoje no poder eram contra até mesmo o imposto sindical, tachado por eles de ¿herança getulista¿. O deplorável e aético comportamento dos partidos serve, ao menos, para derrubar de vez aproposta de financiamento público de campanha. Primeiro, porque ele sempre existiu e acaba de ser ampliado este ano para o resgate de dívidas. Segundo, está provado que não é o melhor caminho facilitar o acesso dos partidos ao dinheiro público. Há sempre o risco de eles, na surdina, ampliarem este acesso.