Título: Base rachada
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 12/05/2011, O País, p. 4

O Congresso ontem nos proporcionou dois exemplos de como em política é sempre arriscado dizer que este ou aquele grupo está previamente derrotado ou, ao contrário, que alguém já ganhou de véspera uma disputa. O governo temuma base política invejável tanto na Câmara quanto no Senado, uma maioria que ronda os 70%.

No entanto, teve de ceder em duas votações importantes: na Câmara, derrotado pela própria base parlamentar na votação do Código Florestal, e no Senado, tendo que negociar na CCJ uma proposta oposicionista que limita a edição de medidas provisórias. A votação do novo Código Florestal é exemplar para mostrar que atão propalada maioria da base governista no Con- gresso na verdade não existe. A última negociação liberou, contra avontade do governo, os proprietários commenos de quatro módulos fiscais de reflorestar reserva legal. O líder do governo discordou, mas o governo foi derrotado por sua própria maioria. A CCJ do Senado, por sua vez, aprovou, contra o voto do líder do governo, José Pimentel, uma proposta de emenda constitucional que altera a tramitação das medidas provisória. A proposta prevê que uma comissão permanente mista de deputados e senadores examine em dez dias a MP ,podendo decidir pela transformação em projeto de lei, fazendo com que ela perca sua eficácia imediata caso considere que o assunto tratado não é urgente nem relevante, ou devolver a MP se ela tratar de mais de um assunto, como vem sendo feito, contra legislação já existente.

Os dois casos representam situações políticas diferentes. No caso do Código Florestal, o governo não teve maioria para impor à sua base conservadora sua orientação, que era basicamente aposição do PT.Enem mesmo ao relator ,o deputado Aldo Rebelo, do PCdoB. Deu-se a união improvável entre a ban- cada ruralista e opartido que representa a extrema esquerda na política brasileira a favor da produção, mas também contra a hegemonia do PT. Já no caso dasMPs,mesmo o governo querendo matar a proposta do senador Aécio Neves na raiz, não conseguiu fazer valer sua maioria na CCJ, porque falou mais alto a necessidade dos senadores de valorizar a atividade parlamentar , tão desgastada atualmente. Ou, em alguns casos, avontade de dificultar a atuação do governo para valorizar seu apoio. A base governista no Congresso é fragmentada e heterogênea, e mais ainda após o surgimento do PSD, que, mesmo antes de existir ,já engrossa potencialmente essa base. A senadora Kátia Abreu, provável futura presidente do novo partido, hoje negocia os interesses dos grandes produtores rurais de dentro da base governista, ou muito mais próxima dela do que quando estava no DEM.

Vários dos partidos que formam esse arco amplíssimo, que vai da direita¿como PP e o PR ¿ à extrema esquerda ¿ com o PCdoB ¿, estão ali por razões puramente pragmáticas, o mesmo pragmatismo que fez com que o governo Lula os abrigasse em sua base e o de Dilma ampliasse o número de partidos aliados. O controle dos partidos através da distribuição de cargos e de métodos mais radicais como o mensalão neutraliza a ação congressual, permitindo a formação de aliança política tão heterogênea quanto amorfa com partidos que em comum têm só o apetite pelos benefícios que possam obter apoiando o governo da ocasião. A situação faz com que a maioria governista seja apenas virtual, aser montada a cada votação

Na coluna de ontem, ¿A cabeça de Obama¿, não devo ter deixado claro, por algumas mensagens que recebi¿poucas, é verdade, diante do grau de polêmica que envolve o caso ¿, que o ideal seria que se pudesse seguir os preceitos legais no caso de Osama bin Laden, mas a situação era atípica, eos riscos eram enormes. Uma das mensagens, do advogado Ian Muniz, abordava especificamente o princípio do ¿devido processo legal¿, ¿inserido na 14a - Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América, é um princípio universal de direito, que nenhum nação dita civilizada pode prescindir .Nenhum ser humano (não importa quão odioso) será condenado sem odevido processo legal, incluso direito de plena defesa¿. ¿Cabe lembrar que tal princípio foi inserido no direito americano em 1868, logo após a Guerra Civil, como dis- positivo para assegurar que nenhum ser humano (não importa se negro ou branco) será privado da vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal¿. ¿Assim, sustentar que o princípio somente se aplica acidadãos e não a seres humanos é totalmente equivocado. Esse é um princípio que faz a diferença entre a barbárie e a civilização, enão podemos transigir com o mesmo¿.

A tese é boa,mas insisto que a situação peculiar e o risco real de uma reação suicida não permitiriam margem de manobra aos militares americanos, embora houvesse advogados a bordo de um navio para o caso de Bin Laden ser preso com vida, oque indica que matá-lo não era a única alternativa. O próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que se disse aliviado com a morte de Bin Laden, ressaltou que a ação se deu em ambiente difícil. Em declaração oficial, Ban Ki-Moon reafirmou aimportância da politica antiterror coordenada pela ONU, combase na qual aconteceu a ação dos Estados Unidos. O jurista alemão Günter Jakobs é o autor da teoria do Direito Penal do Inimigo, que após os ataques terroristas de 11 de Setembro ganhou força em contraposição ao Direito Penal do Cidadão, com as garantias clássicas. Pela teoria, o inimigo équem se afasta de modo permanente do Direito e não oferece garantias de que vai continuar seguindo as normas legais. O inimigo, para Jakobs, não pode contar comdireitos processuais. Contra ele não se justifica um procedimento legal, mas de guerra, pois do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas.